LFV: «Alguns comentadores(…) prestam ao serviço de serem correias de transmissão de outros»

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Luis Filipe Vieira

R – Como foi analisando a postura de Jorge Jesus ao longa da época, sobretudo quando se referia ao Benfica?

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LFV – O Jorge Jesus é uma pessoa que conhecia há muitos anos. Um ano antes de ele vir para o Benfica já o queria. E depois trabalhámos seis anos. Nessa fase fomos cúmplices um do outro nas coisas boas e nas más. Apareci nos momentos maus e soube sempre protegê-lo. Até que chegou o dia em que ele entendeu que devia sair e ir à vida dele.

R – Jorge Jesus sempre gostou de chamar a si a responsabilidade nas vitórias do Benfica. Este título foi uma bofetada sem mão?

LFV – Provou-se que não há campeões sozinhos. Nem o melhor treinador português, se calhar do Mundo, o José Mourinho, ganha sozinho. Não sou eu que tenho de falar do tipo de personalidade do Jorge Jesus. Estive seis anos com ele, protegi-o sempre, fez bom trabalho, ganhou e perdeu com o Benfica, mas acho que é muito mau alguém dizer “eu ganhei”. Ele não é benfiquista, não sabe isso, mas há uma lição que é importante reter: ninguém está acima do Benfica. E quem ganha é sempre o clube. Por isso é que somos como somos, por isso é que temos raízes no povo e no Mundo. Somos “nós”, não há o “eu”. E, já agora, deixem-me dizer… Houve muitos almoços e jantares com colegas vossos, nos quais se diziam coisas como “o Benfica já não conta, vai ficar a 20 pontos, eu tenho é receio do FC Porto”. A resposta foi dada.

R – Quando deu os parabéns ao Sporting, na receção na Câmara Municipal de Lisboa, estava a ser verdadeiramente sincero?

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LFV – Se o Sporting tivesse sido campeão ninguém poderia ficar surpreendido. Foi um campeonato discutido até ao fim e como disse, na câmara, o Sporting obrigou o Benfica a ir aos limites. Portanto, é evidente que a minha palavra em relação ao Sporting foi mesmo sincera.

R – Nem houve ali nem uma ponta de ironia?

LFV – Não, nada. Quem me conhece sabe bem. Tenho grandes amigos sportinguistas e portistas e eles sabem o conceito que tenho do futebol. Até com o meu barbeiro comentava! Ele que diga o que eu dizia que ia acontecer no final…

R – É sportinguista?

LFV – É sportinguista, sim, o Freixinho [risos]. Mas não havia ironia alguma. O Benfica na reta final foi superior ao Sporting. Para quem tentou desvalorizar a vitória do Benfica em Alvalade, esta época, recordo que já o ano passado, no tempo do Marco Silva, o Benfica empatou lá, depois de ter ido uma vez – uma vez! – à baliza do Sporting e já depois da hora. Mas alguém disse que foi com uma jogada estudada que o Benfica marcou o golo. Acho que este ano o Benfica foi muito superior do que o ano passado, no jogo de Alvalade.

R – Nesse discurso na câmara disse também que algumas palavras proferidas pelo treinador rival levaram à união no Seixal. Lembra-se de algum episódio que tenha causado alguma revolta?

LFV – Não há revolta nenhuma. Agora, para quem começa uma época nova, com um treinador novo, que é confrontado com uma pré-época que nunca tínhamos feito, nos Estados Unidos, que é confrontado com uma semana no México, e com o facto de na véspera da discussão de um título [Supertaça] terem existido jogadores que não conseguiam dormir – garanto que houve dois jogadores, um deles foi o Gaitán, que entraram em campo com uma hora de sono… Portanto, houve muitas condicionantes, alguns erros com os quais aprendemos, porque aqui nunca ninguém sabe tudo. Vamos evoluindo e aprendendo. Mas quando depois de tudo isto, ainda ouvimos alguém a dizer que outro não é treinador… Dá vontade de dizermos que pela primeira vez na história do futebol português há um campeão sem treinador. Quando se funciona como equipa é claro que há uma solidariedade muito grande e é óbvio que houve um reforço enorme à volta do nosso treinador. Isso aconteceu dentro do balneário e também nos adeptos, porque ninguém gosta de ser enxovalhado em praça pública, como tentaram fazer ao nosso treinador. E alguns comentadores também, porque há pessoas que se prestam ao serviço de serem correias de transmissão de outros. Agora, daquela porta para dentro nada escutávamos e tudo era igual. No Benfica, a atitude é a mesma quando jogamos contra o Sporting, o Rio Ave ou o Braga. Não há palavras mágicas para ninguém. É verdade que no jogo de Alvalade tivemos uma infelicidade bastante grande. E, a propósito disso, posso dizer que se já tinha admiração pelo Júlio César, esta ainda aumentou, depois do discurso que teve antes de sairmos para o estádio. O Júlio César teve palavras para o Ederson que, às vezes, é difícil um colega ter para o outro.

R – Até onde está o Benfica disposto a ir neste processo no qual reclama 14 milhões de euros ao seu anterior treinador?

LFV – Essa questão é com o departamento jurídico. O que disse quando foi para se tomar essa decisão foi: se é para defesa dos interesses do Benfica, façam como entenderem melhor. Daí para a frente desliguei-me do processo. A partir do dia 2 ou 3 de junho do ano passado, data em que falei pela última vez com o Jorge Jesus, desliguei completamente do processo. Mas acho que é um assunto que deve ser encarado com toda a naturalidade. Os tribunais existem para isso mesmo.

R – Nunca mais falaram?

LFV – Fiquei à espera que ele voltasse para falar comigo. Encontrámo-nos, salvo erro, no dia 2 às 14h30 e depois disso ouvi muita coisa, até que o queríamos mandar para o estrangeiro… Foram seis anos de cumplicidade. Para falar naquilo que foi a saída do Jorge Jesus do Benfica, só se for em tribunal. Até lá reservo para mim a conversa que tivemos, as mensagens que me mandou. Ele teve a opção dele e nós temos o Rui Vitória, um treinador campeão. O Benfica é isto, a vida continua. Um dia, quando eu sair, haverá outro e depois outro. Ninguém é maior que o Benfica. Ponto final.

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