Uma coisa é o ânimo das hostes com base na rivalidade, outra bem diferente é persistir num cavalgar de ódio com os adversários, gerador de tensão e de violência, para esconder os insucessos próprios
Houve um tempo em que o futebol era um desporto de família. Pais e filhos deslocavam-se aos campos para a festa, sem riscos de violência e com um adequado nível de salutar rivalidade competitiva que acabava por ser a expressão de outras realidades geográficas, sociais, políticas e desportivas, sem consequências de maior.
Esse tempo foi tomado pela indução do ódio na radicalização de várias expressões no fenómeno desportivo, pela saturação do espaço mediático, comprometido com a necessidade de conquistar audiências, e por uma inusitada expressão da afirmação das personalidades apenas por contraste com os outros. Em vez de se afirmarem pelo que fazem, afirmam-se pelo que dizem – e o que dizem não bate certo com o que fazem.
A norte sempre o fizeram para mobilizar as hostes, num bailado que conta com um rude atropelo dos mais elementares pilares do Estado de direito, apesar da candura moralista e pseudojusticeira vigente. É a gente do Apito Dourado, do guarda Abel, das invasões dos centros de estágio de árbitros e do condicionamento da justiça e da sociedade em geral, como ficou bem patente na curadoria de ambientes do designado primata que lidera a claque do clube. Eles são a lei, o território é deles. Eles querem ser uma espécie de bairro onde quem dita as regras são os que controlam as dinâmicas, as transações e as entradas no território. Infelizmente, há territórios assim em Portugal, que contrastam, felizmente, com o pavoneio livre e democrático de dragões em Lisboa, alguns apenas para exercitar a suprema arte do bitaite e do encaixe financeiro em função da prestação.
A sul, Bruno de Carvalho inaugurou uma parceria estratégica de radicalização do ódio ao Sport Lisboa e Benfica, em conluio com o Norte, que acabou por conduzir ao reerguer do Porto e à quase implosão do Sporting. Altos voos, grandes quedas. Esta voragem de destilação de ódio, tolerada pela Liga e pela Federação Portuguesa de Futebol, tem expressão evidente nas claques. Não há jogo de Sporting ou do Porto em que, mesmo sem ser o adversário, o Sport Lisboa e Benfica ou os seus adeptos não sejam invocados em cânticos de pestilento ódio. A pequenez das personalidades só se consegue afirmar por contraste, por ódio ou por inveja em relação ao outro, o tal que vai consolidando a gestão, vai reforçando o património e as infraestruturas e concretizando um plano presente de salvaguarda do futuro com base na formação.
Uma coisa é o ânimo das hostes com base na rivalidade, outra bem diferente é persistir num cavalgar de ódio com os adversários, gerador de tensão e de violência, para esconder os insucessos próprios, a impreparação ou a simples ausências de ideias e projetos próprios. O recente assomar à varanda do atual presidente do Sporting para, em véspera de dois jogos com o Benfica, retomar a estratégia de ódio e de parceria com Pinto da Costa é bem revelador de que o novo tempo anunciado não passou de conversa fiada. O diagnóstico médico é claro: Varandas não passa de um mero parapeito à moda de Bruno de Carvalho. É certo que há menor animação diária, mas regista-se a mesma falta de senso e a ausência de aprendizagem com os erros do passado. É certo que há uma tradição lusa dos parapeitos das janelas, onde as vizinhas se entretinham a falar da vida alheia, do que se passava no bairro e do que viam na televisão, mas nunca do que se passava dentro das suas portas. A verdade é que nos julgávamos noutro tempo mas, afinal, estão de regresso as codrilheiras. Codrilheira, que resulta de uma abordagem popular da palavra quadrilheiro, aplica-se com propriedade a esta quadrilha que destila ódio para esconder as deficiências próprias, num exercício tolerado por quem tem responsabilidades na gestão da indústria e do espetáculo desportivo do futebol, até ao dia em que todos se sobressaltarão com os resultados do exercício exacerbado que conduz invariavelmente à violência.
Tal como em relação às codrilheiras, basta confrontá-las com a realidade lá de casa para serem reduzidas à sua significância.
Varandas do tempo novo já se predispôs a ser testemunha da acusação no processo Cashball, em que existem suspeitas reais de pagamento para a viciação de resultados?
Varandas do tempo novo já se predispôs a ser testemunha da acusação no processo da invasão da academia de Alcochete?
Varandas do tempo novo, que contrasta com aquele em que era parte da equipa de Bruno de Carvalho, já deu andamento às situações duvidosas identificadas nas auditorias que foram tornadas públicas em relação à gestão anterior?
Certamente, não. Para tudo isto, mais do que numa varanda ou numa janela aberta, constituiu-se numa marquise opaca, mas para falar ao parapeito para as vizinhas e sobre alegadas vidas alheias não lhe falta verve nem troca os provérbios.
Perante as codrilheiras, as do futebol e as da vida, nada como fazer o trabalho de casa, agir em função das convicções e afirmarmo-nos pelas nossas competências e saberes. O sentido de justiça e de senso acabará por fazer a triagem que se impõe.
Os impávidos da Liga e da Federação só vão acordar quando o ódio e a reiterada impunidade resultar em violência grave? É sempre assim, ignorar os sinais, estremunhar perante as ocorrências. Triste sina a nossa.