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Eu já tive n jogadores a dizerem-me na cara: “Rui, eu para o Benfica vou já… Mas para a Liga portuguesa não.”

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Na apresentação da candidatura, Luís Filipe Vieira disse que tinha a 4ª classe e não falava inglês. E tu?
Eu tenho o 8º ano e falo mais ou menos inglês.

Então já estás pronto para ser presidente do Benfica.
Não, não. Para ser presidente do Benfica é preciso muito mais. Honestamente, tem-se falado muito sobre isso nos últimos dias, depois das declarações do presidente, mas deixa-me já dizer-te que não foi por essa razão que aceitei o convite para a direção. Não é com a obsessão de ter de vir a ser presidente do Benfica. Não escondo todo o orgulho que tenho por ouvir o atual presidente do Benfica, que fez a história que fez neste clube, considerar que posso vir a ser o futuro. É um orgulho para mim enquanto benfiquista. Agora, até lá, a minha função continuará a ser aquela que era, em termos de futebol. Começo a conhecer o clube por dentro também numa outra área. Mas, até daqui a quatro anos, serei o primeiro a avaliar se tenho capacidade ou não para poder ser presidente do Benfica. Até porque sou demasiado benfiquista para aceitar um cargo no Benfica que não me sinta capaz de cumprir. Portanto, vou ter aqui quatro anos para perceber, acima de tudo, quais são as minha capacidades. Depois serão sempre os sócios a decidir o que vem a seguir. Se eu me considerar pronto e apto para um cargo desta responsabilidade e desta dimensão, assumirei as minhas responsabilidades no Benfica, como sempre fiz. Apesar de haver muita gente a considerar que eu ando escondido, porque não percebem bem qual é a dinâmica de uma equipa de futebol, nunca fugi às minhas responsabilidades. Se me considerar pronto e apto para o cargo, posso avançar. Caso contrário, serei o primeiro a dizer que não estou pronto.

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Mas o facto de Luís Filipe Vieira dizer que “Rui Costa é o futuro do Benfica” não serve já de validação?
Trabalho com o presidente há 12 anos, trabalho neste clube há 12 anos enquanto dirigente e se o presidente e a estrutura consideram que posso ser o futuro, então é sinal de que o meu trabalho aqui dentro tem sido visível, por isso só me posso sentir muito orgulhoso e feliz da vida.

Disseste que há pessoas que dizem que andas escondido. Esta semana, Gaspar Ramos disse que estás a ser “usado” por Luís Filipe Vieira.
Vamos lá ver, eu assumo as minhas responsabilidades. Sempre assumi as minhas responsabilidades, ao contrário até do que muita gente possa fazer crer. Para se saber quais são as responsabilidades de um diretor desportivo ou de um administrador ligado ao futebol, temos de saber realmente quais são as funções do cargo e as pessoas às vezes falam sem conhecer minimamente aquilo que estão a dizer. Não oiço esse alarido todo com os dirigentes dos outros clubes. Será por ser o meu nome? Estou há 12 anos como dirigente do Benfica e participei ativamente em 19 títulos do clube. Ativamente. Agora, conhecendo profundamente aquilo que é o mundo do futebol, até porque não tenho só uma experiência nacional, como sabes, o que digo é que os protagonistas são os jogadores e os treinadores. Não são os dirigentes, pese embora em Portugal se queira fazer o inverso, porque a polémica quase que obriga a que o foco seja inverso. Hoje em dia há muita gente que não conhece os jogadores da própria equipa e conhece os dirigentes, o que é uma coisa absurda do futebol português. Isto gira tudo à volta de polémica e depois até nos esquecemos de elogiar e enaltecer a qualidade do jogador português e a qualidade das equipas portuguesas, que está à vista, assim como da nossa seleção nacional. Andamos à procura de polémicas em tudo o que mexe. E eu sou um homem do futebol, portanto habituei-me a isso também dentro do campo: os protagonistas devem ser os que estão dentro de campo. É isso que pretendo que aconteça no Benfica. O facto de estar nos bastidores, sendo dirigente, não significa que não tenha um papel importante todos os dias.

Hoje em dia aquilo que não é comunicado publicamente é quase como se não existisse.
Certo, mas isto é algo que não acontece nos outros clubes. Não vejo essa procura por outros dirigentes nos outros clubes. Vejo muito essa procura no Benfica. “Mas afinal o que é que o Rui faz ou deixa de fazer?”

Então e o que é que o Rui faz?
Tenho trabalhado ao longo de todos estes anos com excelentes diretores-gerais, primeiro com o Lourenço Coelho e depois com o Tiago Pinto, dois excelentes diretores, dentro da dinâmica do que é a nossa organização. A minha parte passa por estar perto dos treinadores, estar perto dos jogadores, fazer a ponte entre a SAD e a equipa de futebol, como administrador para o futebol, presente diariamente com a equipa de futebol, presente em cada jogo da equipa, presente em cada estágio da equipa e presente no mercado. Tenho uma equipa de scouts em que sou eu que faço a gestão do departamento. E, também ao contrário do que as pessoas pensam, nós, em termos de prospeção, metemos à disposição dos treinadores e da administração um leque anual de jogadores que possam vir a servir os interesses do clube. Tudo isso é um trabalho de bastidores e nem eu nem ninguém tem de andar a noticiar diariamente aquilo que faz ou deixa de fazer. Isso perguntem aos treinadores ou aos jogadores com quem trabalho diretamente, que eles sabem o que eu faço ou deixo de fazer. Não foi por acaso que o Jesus quando foi para o Sporting disse o que disse sobre mim [“Rui Costa é o único elemento daquela estrutura toda que percebe de futebol, é o único que tem algum conhecimento das coisas”, disse então Jesus à revista “GQ”], não é por acaso a ligação que tenho com os jogadores e com os treinadores. Eles é que podem julgar o meu trabalho. Mas eu nunca me pus à frente do clube. Apareço quando tenho de aparecer e quando o clube decide que tenho de aparecer. Porque esse é o papel de quem está na administração para o futebol. Repito, não vejo essa procura nos outros clubes, o que é que o fulano tal está lá a fazer ou não. Se é para aparecer e estar todos os dias nos jornais, também sei fazer isso. Sirvo os interesses do Benfica? Não, não sirvo. Assim estou só a servir os meus interesses.

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Mas neste início de época tens aparecido mais vezes, junto das contratações.
Durante estes 12 anos em que aqui estive, mudámos várias vezes de estratégia, para o bem da equipa de futebol. Umas vezes apareci mais, outras vezes apareci menos, apareço mais quando tenho de aparecer mais e apareço menos quando tenho de aparecer menos. Não me viram a aparecer muito nos finais dos campeonatos em que o Benfica ganhou. Viram-me a aparecer agora em muitas situações porque estou ainda mais perto da equipa de futebol e ainda mais perto daquilo que foram as aquisições deste ano, mas isso tem a ver com estratégias do clube. Houve dois anos, por exemplo, em que nem sequer estive com a equipa, fiz um trabalho muito mais de SAD, de prospeção, quando o diretor-geral era o António Carraça, porque a organização era outra. Variámos muitas vezes o modelo, para ir ao encontro das necessidades da equipa.

Se perguntam por ti, isso é um elogio em relação ao que esperam de ti?
As pessoas interrogam-se sempre pela mesma pessoa, se calhar porque é um nome que é pesado no Benfica, e eu agradeço isso, porque também é sinal daquilo que fiz no clube e a consideração que as pessoas têm. Agora, uma coisa é certa: estive presente ativamente, diariamente, em 19 títulos do Benfica nos últimos 12 anos. Isso ninguém me pode tirar. Ninguém me viu nos jornais a vangloriar-me de ter sido eu a indicar ou a contratar este ou aquele jogador. E as pessoas acham o quê, que nos 12 anos em que aqui estou não houve jogadores, bons e maus, que passaram pela minha decisão ou pelo menos pelo meu conselho ao presidente e à administração? Acham que estou aqui só porque sim? É verdade que podia estar no Benfica só como adepto, como já estive, porque o que me faz estar aqui é unicamente o amor que tenho por este clube. Porque, caso contrário, se calhar nunca tinha regressado ao Benfica, como as pessoas calculam. Deixei um contrato milionário em Milão para poder regressar ao Benfica, assinando em branco. Oiço falar até muitas vezes do meu salário como administrador e por aí fora, mas o meu salário de administrador é para aí um décimo daquilo que ainda podia estar a ganhar no estrangeiro, só que as pessoas têm pouca noção disso. Já me estou a alongar na resposta, mas é por isso que costumo dizer que podem julgar-me por bom ou mau profissional, o que quiserem, mas a minha paixão pelo clube, isso nunca podem julgar, porque isso fere-me tremendamente. Hoje, felizmente, graças à minha carreira futebolística, tenho uma situação financeira cómoda, mas lembro-me que em 1994, quando prescindi de ir para o rival para ficar a ganhar um décimo no Benfica, não tive qualquer hesitação. E quando podia ter ido para Barcelona, para aquela que era considerada a melhor equipa do mundo, acabei por ir para a Fiorentina, para uma equipa que tinha acabado de subir de divisão, porque o Benfica lucrava mais com isso. E quando voltei ao Benfica, como disse, prescindi do que tinha no estrangeiro, porque tinha mais um ano de contrato, com possibilidade de renovar mais um ano ou de ir para as Arábias ou para onde quisesse ir, porque naquela altura já era um pouco como agora, com o jogador em final de carreira a ter esses mercados abertos. Tive inclusive essa possibilidade no meu último dia aqui no Benfica enquanto jogador. Portanto, se tivesse de fazer contas a todos esses valores, teria de ficar a trabalhar no Benfica mais 150 anos. Portanto não venham por esses caminhos, porque isso magoa-me mesmo. Isto para dizer que se estou aqui é pela paixão de estar aqui e pela convicção de que posso ajudar o clube. E irei continuar enquanto puder ajudar o Benfica. Ainda esta semana ouvi pessoas a considerarem que eu estou a ser usado, pessoas que se calhar estão elas a usar-me para as campanhas deles. Eu posso até ser usado aqui e ali para o Benfica, mas é para o bem do clube. Volto a dizer: meto sempre os interesses do clube à frente dos meus, porque se metesse os meus à frente do Benfica, já cá não estava há muito tempo, até por causa da minha vida privada. Porque isto não deixa de ser um massacre, quer laboral, quer de imagem. Pensei muitas vezes em sair, não do Benfica, mas do futebol. Para poder usufruir da minha vida, da minha família. Fiz uma carreira como fiz e podia estar a gozar a vida como me apetecesse. Mas, cada vez que penso nisso, a minha vontade de continuar a servir o Benfica é maior do que isso. E põe até em causa a minha família, porque, no fundo, acabo por ocupar todo o meu tempo familiar com o futebol e com o Benfica. Mas a paixão de estar no Benfica é sempre maior do que o resto.

Como explicas a passagem de administrador que aufere mais de 200 mil euros para vice-presidente sem remuneração, caso Luís Filipe Vieira seja eleito? É por achares que o teu futuro passará pela presidência?
Não, não estou a olhar para isto como uma possibilidade de futuro, porque se fosse por uma questão meramente pessoal, isto nunca poderia ser considerado como um investimento para o futuro. O que é que isto me traz? Em termos financeiros?

Em termos financeiros não, mas há a possibilidade de chegares à presidência do Benfica no futuro.
Mas isso tanto posso fazer como administrador ou como diretor. Até posso nem estar no Benfica. Nós temos agora eleições e os outros candidatos não são de dentro do Benfica. Portanto podia estar lá fora e candidatar-me na mesma, estando lá fora.

Mas é um cargo que talvez te permita ter outro tipo de conhecimento sobre outras áreas do clube.
Eu tenho é mais orgulho em poder estar ainda mais por dentro do meu clube. Essa é a razão principal. Estou grato por este convite, porque é sinal do que tenho feito pelo clube. Ao fim destes 12 anos, conheço o projeto por dentro, conheço o clube por dentro, conheço a estratégia do clube…

Mesmo fora do futebol?
Sim. As pessoas vêem-me a acompanhar a vida do Benfica enquanto benfiquista, nos pavilhões e noutros sítios. Como me viam antes de ser diretor. Basta ir aos almanaques para encontrar fotografias minhas e da minha família, às centenas, nos pavilhões. Portanto não faço aqui nenhum investimento, nem financeiro, nem político, para aquilo que será o meu futuro no Benfica. Tenho gratidão por ser convidado para a direção, por poder estar ainda mais presente na vida do meu clube. Acredito no projeto do presidente e nas pessoas que estão nesta direção. O José Eduardo Moniz é meu colega na administração, portanto já o conheço há bastante tempo e todos os restantes diretores são benfiquistas de corpo e alma, com quem partilho quase diariamente os mesmos espaços. Confio plenamente nesta direção e neste projeto, e considero que o Benfica tem de ter esta continuidade.

Viste as críticas de Bernardo Silva à direção?
Sim.

Crês que há adeptos que esperavam de ti uma postura semelhante à do Bernardo, mais crítica?
É claro que as pessoas que não estão contentes com esta direção esperam que as figuras públicas do Benfica tenham declarações contra ela. Mas para eu fazer isso seria necessário que eu também pensasse como eles, que estivesse contra. Da mesma forma que eu respeito quem está contra a direção, também têm de me respeitar a mim por estar a favor daquilo que é o Benfica dos últimos anos. Podemos fazer melhor? Podemos. Vamos trabalhar afincadamente para fazer cada vez melhor? Vamos com toda a certeza. Mas também não permito que se possa estar a julgar neste momento o Benfica como se não ganhássemos um título há 10 anos. O Benfica ganhou nesta década como já não ganhava há muitas. Criou um projeto, uma estrutura, que permite ao clube enfrentar o futuro com um otimismo tremendo, quer financeiramente, quer desportivamente. Portanto, respeito quem está contra, não sou das pessoas que cria polémica e acha que só há uma voz aqui dentro. Sou obrigado, por educação e por benfiquismo, a respeitar as opiniões contrárias, mas também posso ter a minha opinião. Agora, as pessoas não podem é querer que eu tenha a opinião delas. A minha, neste momento, é de continuidade. Volto a frisar uma coisa que é muito séria para mim: quando digo que é de continuidade, não digo que é a conversa de que eu seja o futuro presidente do Benfica. É de continuidade porque neste momento não considero que o Benfica deva interromper tudo aquilo que fez até aqui. Acredito plenamente na estratégia do presidente para o clube ser cada vez melhor e maior. Há 14 anos, quando voltei ao Benfica, era quase impossível aspirarmos a sermos campeões nacionais. Sou testemunha participante da evolução que este clube tem tido. Jamais poderia neste momento não acreditar que este é o caminho. Sendo que, a partir de quarta-feira, ganhe quem ganhar, temos todos de meter na cabeça que o Benfica é para estar junto e não dividido. Porque estou a ver tanto alarido à volta do clube que até parece que não ganhamos nada há 10 anos. Ou que não se cresceu em nada em 10 anos. E isto é completamente absurdo. Um caso flagrante: ninguém mais do que eu, igual a mim, sim, mas ninguém mais do que eu sofreu por não termos conquistado o penta. Não há ninguém que tenha sofrido mais do que eu. Podem ter sofrido igual a mim, porque eu também não sou mais do que ninguém, mas mais do que eu, não. Mas isso também não pode apagar o facto de nós termos sido tetracampeões, algo que o Benfica nunca tinha conseguido na história.

Mas o patamar de exigência tem necessariamente de ser alto.
Ah sim, isso claramente. Mas essa exigência começa logo em nós próprios.

Mas nessa época o investimento no mercado se calhar foi um décimo daquilo que aconteceu esta época.
Mas nem todos os anos consegues fazer os mesmos investimentos e nem todos os anos acreditas que a tua equipa precisa de tanto melhoramento. São duas coisas diferentes. Uma coisa é o investimento que se faz numa equipa e outra é aquilo que tu acreditas que o plantel está ou não pronto para fazer. Há anos em que se consegue investir melhor e mais, e em que se acerta mais naquilo que são as aquisições. Houve outros anos assim, em que não apostámos tanto, porque acreditámos que o que tínhamos em mãos era ideal para chegarmos onde queríamos. Falhámos? Falhámos. Em todos os anos em que não se chega ao fim a ganhar, falhámos.

Como no ano passado?
No ano passado tivemos sete pontos de avanço e não ganhámos o campeonato. Falhámos. Ponto final, parágrafo. Não me vou escudar em nada relativamente ao que são as nossas responsabilidades e as nossas exigências. Eu, como benfiquista, também exigia o penta, por isso percebo que as pessoas estejam frustradas por não termos chegado ao penta naquela altura. Mas isso também não pode apagar o tetra que conseguimos, porque foi algo inédito na história do Benfica. Uma coisa não anula a outra. Sermos criticados por não termos conseguido o penta? Acho muito bem, sou o primeiro a criticar-me a mim próprio. Mas daqui a uns anos, quando se olhar para o primeiro de muitos tetras do Benfica, vai ver-se que foi naquela altura. Lembremo-nos que o Benfica já teve a hegemonia do futebol português durante muitos anos, se recuarmos aos anos 60, com Eusébio e por aí fora, e nem aí se conseguiu um tetra. Não se pode apagar isso, de forma alguma, da mesma forma que não apago – e isso que fique bem claro, para não se pensar que não há ambição -, a minha condição de benfiquista exigente. Não preciso de estar lá fora para exigir o penta, cá dentro também o faço, como todos nós.

Uma das ambições que é frequentemente citada por Luís Filipe Vieira é o desejo de conquistar um título europeu e aumentar da dimensão europeia do clube. Esse também não é um ponto falhado?
O Benfica tem falhado nos últimos anos em termos daquilo que é a dimensão europeia. Volto a dizer: temos de ser ambiciosos ao máximo, por isso temos de acreditar que é possível chegar a um título europeu. Agora, também não me falem de um título europeu com essa leviandade toda, como se fosse a coisa mais banal deste mundo. Acabámos de falar do Bernardo Silva: eu continuo a desejar que ele seja campeão europeu, mas, quando falamos de investimentos, ele está numa equipa que investiu 14 vezes mais do que o Benfica e ainda não conseguiu chegar a um título europeu, nem a uma final.

E se Bernardo Silva, João Cancelo e Rúben Dias tivessem permanecido no Benfica e houvesse maior proveito desportivo deles, isso não seria melhor para o clube do que vender por X, Y e Z?
X, Y e Z não, não estamos a falar em X e Y, estamos a falar de vendas altíssimas, de jogadores enormes. É que nós vivemos em Portugal, não vivemos em Inglaterra, não vivemos em Espanha, não vivemos em Itália – e já em Itália também há este problema -, por isso não conseguimos manter os jogadores a tempo inteiro. A quem tanto fala disso, também falta alguma sabedoria futebolística para perceber isto. Se temos demasiados jogadores da formação e não ganhamos o campeonato, é porque isto não vai lá com a formação. Se vendemos jogadores da formação, é porque estamos a vender e não vamos lá. E eu pergunto qual é a equipa portuguesa que mantém em Portugal grandes jogadores mais do que dois ou três anos? Sejam ou não da formação. Basta olhar para a seleção nacional e isso até já vem do meu tempo. Só que nós queremos ser hipócritas a falar das coisas, não queremos ver as coisas como elas são, estamos sempre à espera que uma porta se abra para podermos fazer uma crítica. Qualquer clube português é obrigado a vender jogadores para poder continuar a laborar. Qualquer um, não é só o Benfica. Por outro lado, manter jogadores da formação durante muitos anos, para se poder chegar aos tais patamares, envolve uma coisa muito engraçada: quando os jogadores recebem uma proposta do estrangeiro [bate na mesa], batem-nos à porta para que os deixemos ir embora. E eu respeito e compreendo isso. Porquê? Porque é a tal outra vertente que quem está pouco por dentro disto e só quer criticar não considera para fazer as análises reais sobre aquilo que é um mercado de futebol. É que isto não tem só a ver com o dinheiro envolvido nas aquisições ou nas vendas, tem a ver com o dinheiro envolvido para os jogadores. O Benfica hoje até está num patamar em que consegue ir ao mercado e gastar muito mais dinheiro por um jogador do que há 10 anos. Há 12 anos, quando comecei no mercado, se chegasse aqui e apresentasse um jogador que custasse mais do que 5 milhões de euros era quase trucidado, porque era uma aquisição demasiado alta, mas o Benfica acabou de fazer uma aquisição por 24 milhões de euros. Nós conseguimos ganhar essa credibilidade, mas há aqui um aspeto muito importante que as pessoas às vezes desconhecem: um clube português pode até conseguir essas aquisições, mas não consegue pagar um ordenado anual de 6 milhões de euros net [líquidos] a ninguém. E é isso que estes jogadores dos quais estamos aqui a falar vão lá para fora ganhar, entre os 4 e 6 milhões de euros net. E qual é o jogador que quer continuar cá assim? Já nem digo no Benfica, mas em Portugal, numa situação dessas?

O Rui Costa?
[risos] O estúpido do Rui Costa, o parvalhão do Rui Costa. E eu respeito os jogadores, porque eu fui jogador e sei o que é.

Podes dar um exemplo?
Se falarmos do Rúben Dias, por exemplo, é verdade que o apontámos durante muito tempo como futuro capitão do Benfica, um rapaz e um excelente jogador que vinha da nossa base, mesmo lá de baixo, conhecedor de tudo o que é o clube, verdadeiro benfiquista, verdadeiro líder. As pessoas não sabem, pensam que a gente vendeu o Rúben às três pancadas, assim do nada, mas o Rúben tem tido mercado internacional todos os anos. E alto. E o próprio Rúben chegou ao patamar de dizer, este ano, que este projeto [do Manchester City] era o que lhe interessava mais. Temos de respeitar. Além de ser um ativo de um valor enorme para o clube, em termos financeiros também, num ano em que montas um projeto mas acabas por falhar o objetivo de entrar na Liga dos Campeões, tens de ir buscar esse dinheiro a algum lado. E o próprio jogador também o quer, porque durante dois ou três anos andou ali… O Rúben já podia ter saído há três anos, mas mantivemo-lo. E há dois anos, mas mantivemo-lo. E no ano passado, mas mantivemo-lo. Agora, temos de respeitar o projeto do próprio jogador e ver que não conseguimos – enquanto clube português – pagar salários de 6 milhões de euros net a cada jogador, é impossível.

Mas tens exemplos de situações que podem confundir os adeptos, como a do Darwin. Tu próprio quando o apresentaste disseste que seria um avançado…
[interrompe] De top. E continuo a dizê-lo.

E ele tem crescido no rendimento que está a apresentar, mas a primeira coisa que Jorge Jesus disse assim que isso aconteceu é que Darwin em breve já vai embora.
O Jorge disse isso no sentido português, no sentido de percebermos aquilo que é o campeonato português. Por exemplo, indo aqui a um caso ao contrário: sabes quantos jogadores nós contactamos – e quando digo nós falo dos clubes portugueses, não falo apenas do Benfica – e não conseguimos trazer porque eles não querem jogar na Liga portuguesa? Querem outras ligas europeias. Acontece o mesmo com o jogador português. A aspiração a jogar numa liga mais importante do que a nossa… Não é no clube, atenção. Eu já tive n jogadores a dizerem-me na cara: “Rui, eu para o Benfica vou já… Mas para a Liga portuguesa não.” Porque a Liga portuguesa não tem a expressão que tem uma Liga inglesa, uma Liga espanhola, uma Liga italiana, uma Liga alemã, uma Liga francesa. Isso acaba por ser aceitável, porque não é a dimensão do clube que choca com eles. Se calhar eles nem conseguem ir para outro clube desta dimensão, mas vão para uma Liga que lhes oferece o triplo daquilo que podem vir para aqui ganhar e que lhes dá uma visibilidade que é o quádruplo do que têm aqui.

É possível que a Liga portuguesa possa melhorar isso, conjuntamente com os clubes?
Não é fácil, porque é uma situação discutida há muitos anos, mas alguma coisa nós todos, em conjunto, temos de fazer para melhorar a Liga portuguesa. Aliás, não é melhorar a Liga portuguesa, porque a Liga portuguesa está cheia de grandes jogadores e tanto é que somos dos países que mais jogadores dão à Europa do futebol. Não tem a ver com a qualidade dos jogadores e até das equipas, tem a ver com o perfil do nosso campeonato, com o facto de Benfica, Sporting e FC Porto terem 90% do país como adeptos, faltando adeptos para os restantes clubes. Em Itália, quando estava na Fiorentina, o estádio tinha capacidade para 35 mil pessoas e em cada jogo da Fiorentina lá estavam 35 mil pessoas. Um Benfica, um FC Porto e um Sporting quase nunca jogam fora de casa em Portugal. Quando é que jogamos fora de casa? Quando vamos jogar contra estes adversários. E temos Vitória de Guimarães e Braga que conseguem também chegar a este patamar. É preciso mais disso.

E dentro de campo passas a maioria dos jogos em organização ofensiva, o que não acontece nas competições europeias.
Também. É completamente diferente. E a visibilidade também é completamente diferente. As pessoas têm pouca ideia sobre isso. O adepto português é preso à sua equipa e muitas vezes se calhar desconhece o mercado internacional e os valores que estão envolvidos. Ainda me lembro bem de quando estava em Itália e um senhor importante em Portugal dizer que eu não vinha para o Benfica porque não queria. Como se um jogador para ser transferido fizesse assim [estala os dedos] e fosse. Como se o Benfica tivesse na altura 50 milhões de euros para pagar.

Quem disse isso?
Pouco importa. São pessoas que mandam umas larachas para aparecer à custa do futebol. Mas relativamente ao que perguntaste sobre o Darwin: quando o Jorge diz isso, diz precisamente devido ao que estou a explicar. Um jogador que se destaque em Portugal tem um cobiça internacional tremenda, a valores que Portugal não pode combater, pelo menos ao dia de hoje. Tão simples quanto isto. E volto a falar dos salários, que é aquilo que as pessoas não entendem, porque pensam que o jogador pode ser amarrado. Como é que faço a gestão disso? Como é que eu com ordenados de 2 milhões de euros posso combater ordenados de 6 milhões de euros net? Qual é o jogador que não quer ir para um campeonato dessa importância com esses valores na mão? São coisas que as pessoas muitas vezes desconhecem, se calhar por terem paixão pelo clube e não aceitarem que sejamos inferiores no que quer que seja a ninguém. De facto, o Benfica, em termos de estruturas, do Seixal, das condições dos jogadores para trabalharem, das comodidades… Isso é uma coisa que todos aqueles que passam por aqui elogiam quando vão lá para fora. Eles dizem-nos a nós e dizem publicamente que não têm condições como as que tiveram no Benfica e isso é uma vitória nossa. Mas há coisas em que não conseguimos ser iguais aos outros, como no aspeto financeiro. Agora, vir dizer de uma forma tão leviana que o Benfica tem de ser campeão europeu…

Outro caso que em que a direção tem sido criticada recentemente é no de Tiago Dantas, que foi emprestado ao Bayern Munique.
Claro, tem de se falar de alguma coisa.

Não crês que as críticas tenham fundamento? Estamos a falar de um jogador que tem muito talento.
Tem e nós nunca escondemos o talento do Tiago. É um jogador que também vem desde as escolinhas do clube e sempre o mantivemos connosco, até como capitão de equipa. Mas o presidente inclusive já leu publicamente as mensagens do Tiago Dantas para ele. Portanto, nós não somos nenhuns tolos que andamos aqui, isso posso garantir. Hoje oiço pessoas a falar sobre o Tiago Dantas que tenho a certeza absoluta que nunca viram um jogo da equipa B. Tenho a certeza absoluta que nunca pisaram o Seixal para ver um jogo da equipa B, nem dos juniores quando o Tiago era júnior, nem dos juvenis quando o Tiago era juvenil, nem dos iniciados quando o Tiago era iniciado. Mas hoje o Tiago serve-lhes para criticarem. O Tiago fará o percurso que tiver de fazer, com todo o nosso apoio.

Mas faz sentido um jovem a quem se reconhece talento ser emprestado a um clube como o Bayern Munique e ter um cláusula de compra tão baixa?
Vamos ver. Vamos esperar. Só podemos saber se é baixa ou não daqui a algum tempo.

Uma cláusula de venda de 7,5 milhões de euros não é baixa?
Daqui a três ou quatro anos, aí sim, é que podemos ser julgados. Porque, primeiro, eles têm de pagar a cláusula, depois, como qualquer outro jogador, tem de justificar. Se isso acontecer, desejo o melhor ao Tiago, porque ele merece tudo. Como merece, mereceu que fosse para um clube para onde queria ir.

Não achas que tem parecenças contigo, enquanto jogador?
O Tiago é um excelente jogador que tem um défice físico e ele sabe disso, e eu espero que ele consiga melhorar esse défice físico, porque, se ele o conseguir, será um jogador extraordinário, como sempre foi nas camadas jovens. Como disse, o presidente leu as mensagens do Tiago e sei o que o Tiago nos disse a nós e sei o que o empresário nos disse a nós. Agora, tudo serve para alarido. Não vi ninguém perguntar porque é que o fulano tal também saiu. Saíram mais jogadores este ano. Mas se calhar as pessoas nem sequer conhecem os outros. Atenção, mas eu falo do Tiago com o maior carinho e estima, e com o maior desejo que o Tiago consiga fazer a carreira que merece.

Falando dos jovens do Seixal mas não só, qual é agora e quem é que decide a política desportiva do Benfica? É o presidente?
Não. Ao contrário do que as pessoas dizem, porque é o presidente que aparece, não é só o presidente, isso é um completo absurdo. A política desportiva do Benfica passa pela administração da SAD do Benfica, passa pela formação do Benfica, pelo diretor desportivo, pelo diretor-geral e pelo treinador. Não é uma pessoa só a pensar a política desportiva. Não há nenhum clube em que seja só uma pessoa a pensar na política desportiva. Isso não existe. Até porque nós procuramos ser lineares naquilo que fazemos, mas temos de ter a agilidade de contornar aquilo que preparámos, para o que consideramos ser ideal. O futebol joga-se à semana. Não há ninguém que construa um plantel, num clube como o Benfica e nos grandes clubes europeus, que diga que não vai ganhar. Mas depois só no final do ano é que conseguimos saber se isto é verdade ou se é mentira. Temos de fazer de tudo para que isso aconteça, mas uma política desportiva tem de ter planeamento e rigor, mas também ter a agilidade para perceber quais os caminhos que vamos percorrer para chegarmos ao fim que queremos. Por isso é impossível ser uma só pessoa a delinear a política desportiva. Por exemplo, a nossa política desportiva relativamente à formação: não é quem trabalha na formação que tem de ter as coordenadas daquilo que se pretende em 10 anos para a formação? Ou é o presidente que vai lá decidir se joga o fulano A ou o fulano B? Volto a referir: quando ganhámos com muitos jogadores formados no Seixal, era assim que tinha de ser; depois quando já não ganhámos, era porque já não íamos lá só com jogadores da formação.

Então como deve ser?
Considero que deve haver um misto das duas situações, até porque, quer queiramos, quer não, o jogador português de grande qualidade não se mantém, sobretudo em idade jovem, no próprio país. Não é um problema do Benfica, é um problema do futebol português.

Tanto Noronha Lopes como Rui Gomes da Silva dizem que é possível manter os jovens mais anos no clube, em vez de vendê-los.
Sou muito benfiquista e considero-me um homem do futebol, mas não vou estar a discutir tudo o que ouvi dos outros candidatos. É preciso conhecer as coisas na profundidade. Há tantas coisas que se dizem quando se está do lado de fora… E isso já aconteceu em tantos clubes em Portugal, quando as pessoas sonham uma coisa mas depois quando chegam lá dentro percebem que a realidade é completamente diferente. Não vou estar aqui a discutir o que disseram os outros candidatos.

Leste os programas dos outros candidatos?
Claro que li, li as coisas todas. Não é difícil abrilhantar um programa. O difícil é conhecer e pôr em prática um programa. Ao dia de hoje, parece que se eu estiver numa campanha e os candidatos disserem que vão ser campeões europeus, eu tenho de dizer que vou ser bicampeão europeu. E se aparecer outro que diga que vai ser bicampeão europeu então eu vou ser tricampeão europeu. Pronto. O que espero, sinceramente, é que o Benfica se volte a unir a partir de quarta-feira, independentemente de quem ganhe.

Nesse caso, se Luís Filipe Vieira não ganhar, ponderas continuar no Benfica? Noronha Lopes disse no domingo no “Trio d’ Ataque” que queria falar contigo se vencesse as eleições.
Bem… Pelos vistos o presidente usa-me, um candidato diz que eu estou a ser usado, o outro candidato diz que vai falar comigo… Eu sou um privilegiado dentro deste clube. Mas só há duas pessoas que me usam na vida, que são os meus filhos. Mais ninguém. São os únicos que conseguem tirar-me o ‘não’ da boca. Posso estar aqui a dizer três vezes ‘não’ e eles conseguem levar-me ao ‘sim’. Portanto, para aqueles que dizem que sou usado, a minha história de vida se calhar não é diferente de muitos outros jogadores de futebol ou cidadãos, mas eu tenho orgulho nela. Não nasci rico, nasci numa cave na Damaia, lutei toda a minha vida para ser jogador de futebol no Benfica, cheguei a jogador do Benfica, fui para o estrangeiro, estive 12 anos no campeonato mais importante da altura, fui campeão europeu, fui 94 vezes internacional português, fui capitão em todas as minhas equipas, passei a diretor desportivo do Benfica, passei a administrador, fui convidado para ser o número dois da direção de Luís Filipe Vieira e isto não se faz a ser usado por ninguém. Isto não se conquista a ser banana para ninguém. Conquista-se com aquilo que sou, com a responsabilidade que sempre assumi na minha vida em tudo o que faço, quer no Benfica, quer na minha casa, quer nas minhas empresas, quer com a minha família, quer com os meus amigos. Portanto, não permito que me considerem um banana. Não se chega a fazer tudo aquilo que fiz na vida só porque sim.

Quando Luís Filipe Vieira anunciou a candidatura, disse que tinham tido várias divergências. Quais?
Sim, confirmo isso e não é de certeza por eu ser um ‘yes man’, que é coisa que nunca fui na minha vida. Nem é por não conseguir lutar pelas minhas causas. Esteja eu em que cargo estiver, desde adepto a presidente, nunca estarei à frente do meu clube. O Benfica estará sempre acima de mim, como é óbvio. Não venham cá com essas conversas para cima de mim.

Não te incomoda o facto de tanto o Benfica como Luís Filipe Vieira estarem envolvidos em tantos processos judiciais?
Quanto mais nos aproximámos das eleições, pior foi. Desde os pessoais aos coletivos. Se isso é agradável? Não é. Não é agradável para ninguém, nem para quem trabalha aqui dentro nem para o presidente. Agora, eu pergunto: fomos condenados em quê? Nada. Está tudo dito sobre isso.

Faltando 24 horas para as eleições, porque é que achas que os sócios do Benfica devem votar em Luís Filipe Vieira?
Olha, antes de mais, apelo ao voto, acho que devem votar. Acho que é das eleições mais concorridas do Benfica, há muitos anos que não se tinha uma eleição com tanta gente.

E com uma logística que pode ser complicada, já que a antecipação da data colocou as eleições num dia útil.
Infelizmente, pela questão da pandemia, teve de haver essa mudança na data e isso pode criar alguma dificuldade em votar. O clube tentou, pelo que percebo, dar a possibilidade a todos de votarem, por isso apelo ao voto, seja lá ele qual for. Depois da eleição, o Benfica tem de estar unido, ganhe quem ganhar. Relativamente ao voto em Vieira: acho que o trabalho é mais do que visível. Tem de haver esse reconhecimento e essa confiança, sabendo que a obra ainda não está finalizada, que ainda há muito por fazer. Luís Filipe Vieira, por tudo o que tem feito pelo clube, é merecedor de continuidade. O Benfica passou por muitos tempos de glória, há muitos anos atrás, depois passou por uma crise em que quase fechou portas e hoje é um clube reconhecido em termos nacionais, europeus e mundiais. Sei muito bem o que o Benfica é lá fora e é algo de que me envaideço quando estou perante presidentes e diretores de colossos europeus, que me dão os parabéns por tudo aquilo que temos vindo a fazer no clube.

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