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Trubin: “Tem uma boa alcunha, ‘Gato’, acho que diz tudo…”

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Tendo como mote os 50 jogos do internacional ucraniano pelo Benfica, Trubin e José Henrique, o lendário Zé Gato, embarcaram numa entrevista (ao desafio) concedida aos meios do Clube, que atravessou diversas eras marcantes da baliza das águias. Dois corações que batem mais rápido quando o assunto é o avassalador sentimento pelo Glorioso.

De guarda-redes, para guarda-redes se fez uma conversa marcada por revelações, histórias e, acima de tudo, pelo privilégio de representar uma instituição com a grandeza do Benfica.

Um amor à primeira vista que se tornou parte integral da vida de Zé Gato e que deixou Trubin assoberbado. “Para mim… o Benfica é algo que temos dentro do nosso corpo e alma, porque quando vestimos esta camisola percebemos que por trás de nós estão, talvez, milhões de pessoas, que amam este Clube e temos de dar não 100%, mas 1000% para ganhar, para os fazer felizes“, confidenciou o atual keeper encarnado.

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Da adaptação à exigência do Clube até ao lamento pelo conflito que grassa na Ucrânia, passando pela rotina do camisola 1 dos encarnados em Portugal, foram vários os temas igualmente abordados nesta entrevista descontraída e repleta de mística.

José Henrique e Trubin

Zé Gato: Antes de mais, parabéns. Qual é o significado de chegar a esta marca redonda dos 50 jogos num clube como o Benfica?

Trubin: Em primeiro lugar, muito obrigado. Para mim, é um prazer e uma grande honra poder cumprir 50 jogos num clube desta dimensão. Claro que quero jogar muitos mais e estou muito focado nisso, ansioso por mais jogos e vitórias com o nosso Clube.

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ZG: Chegaste ao Benfica há um ano, na temporada 2023/2024. Quem foi a primeira pessoa a falar-te da hipótese do Benfica? Como é que reagiste?

T: Quando cheguei foi um bocadinho difícil porque tudo era novo para mim, novo país, novos colegas, novos treinadores… Foi um período difícil, estava um pouco nervoso, mas ao mesmo tempo foi perfeito para a minha evolução pessoal, para fazer novos amigos e conhecer os colegas. Foi um momento de grande felicidade e a primeira pessoa que conheci foi obviamente o treinador, o míster. Falei com ele antes da Supertaça e, como já disse, fiquei muito feliz.

ZG: Representar um clube como o Benfica… Para mim, é o melhor Clube do mundo.

T: Claro que sim, obviamente que sim.

ZG: Destes 50 jogos, se tivesses de escolher um, qual foi aquele que mais te marcou?

T: É difícil, é difícil… Mas acho que… Obviamente escolheria o primeiro jogo e talvez um jogo fora contra o Braga [SCB-SLB, 0-1, 17/12/2023].

José Henrique

ZG: O primeiro jogo é sempre um jogo marcante nas nossas vidas, não é?

T: Passam muitas coisas pela cabeça, algum nervosismo, mas fica na nossa mente para o resto da vida.

ZG: Fala-me do dia 16 de setembro de 2023, a estreia com a camisola do Benfica frente ao Vizela.

T: Foram muitos pensamentos, algum nervosismo, mas passou tudo depois do apito inicial. Apenas pensei em jogar, desfrutar de cada minuto, de cada segundo, porque sei que este é um dos melhores clubes do mundo, o melhor de Portugal. É uma grande responsabilidade e temos de estar preparados.

ZG: Sucedi a um dos melhores guarda-redes que o Benfica teve que foi o Costa Pereira. Foi campeão europeu duas vezes. E fui sucedido por Manuel Bento, um grande amigo e uma grande lenda do Benfica. Tive o privilégio de suceder a Costa Pereira, receber das mãos do monstro sagrado que era o Costa Pereira, a camisola número 1 do Benfica, que foi também o meu começo no Benfica. Em 1966. A seguir ao Mundial de ’66.

T: Como é que se sentiu?

ZG: Senti-me tanto… Muito pequenino. Como era normal. O Costa Pereira tinha quase dois metros de altura e eu um metro e setenta e quatro. Se fosse hoje, não podia ser guarda-redes. Nem no Benfica nem em lado nenhum. E eu consegui suplantar isso tudo e ser, durante 11 anos, o guarda-redes titular no Benfica.

T: Está sempre nas nossas mãos. Pode ser alto ou baixo, depende da forma como trabalhas, da vontade que tens, por isso acho que a altura não importa muito.

Trubin

ZG: Evidentemente e, ainda por cima no meu tempo, não havia treinador de guarda-redes como há agora. Era mais difícil nós aprendermos este lugar numa equipa de futebol, que é um lugar especial. O lugar do guarda-redes.

T: Mas tem uma boa alcunha: “Gato”. Acho que diz tudo…

ZG: A minha história no Benfica é uma história bonita porque, antigamente, na Estância de Madeira, que era o campo antigo do Benfica, fazia-se treinos de captação para o Benfica. Quando o treinador, que era o argentino, o Valdivieso, iam 200, 300 miúdos de manhã, para fazer captações no Benfica. E ele perguntou: “guarda-redes?”. Eu pus a mão no ar para ser guarda-redes e ele olhou para mim e disse: “ó menino, vai comer bifes para tua casa que és muito pequenino”. E eu fiquei com uma cabeça muito grande, mas, no outro dia, invés de ser guarda-redes era defesa-direito. Nessa altura, quando os Seniores do Benfica não tinham treino, tinham de vir para o Campo Grande ver os treinos dos Juniores. O míster José Augusto, o Coluna, o Artur Santos, e o José Águas, agarraram em mim e levaram-me para o campo do atletismo e de râguebi, para brincarem comigo. E eu comecei a defender. O Valdivieso que estava a ver o treino, reparou, e quando acabou o treino mandou-me ir para a baliza, com os Juniores a chutarem. Eu fiz a minha obrigação, defendia aquilo que defendia, era aquilo que eu sabia fazer. Resumindo e concluindo: mandou-me esperar. Tomei banho, esperei, levou-me à sede do Benfica, que era nos Restauradores, para assinar contrato pelo Benfica. (…) A minha história no Benfica foi assim.

T: É uma história perfeita.

ZG: Qual era o teu guarda-redes preferido em criança?

T: Quando era criança acho que era o Edwin van der Sar porque vi muitos jogos dele. E talvez o Andriy Pyatov porque sou ucraniano.

ZG: Sei que tinhas o sonho de jogar no Donbass Arena, um estádio que foi atingido pela guerra. É uma frustração que tens nunca teres jogado lá?

T: Sim, claro. É uma história dolorosa, não só da minha vida, mas também na vida de muitos ucranianos, especialmente para as pessoas de Donetsk. Espero, e é um dos grandes sonhos, jogar com a seleção nacional ou com o Benfica, na Liga dos Campeões, na Donbass Arena. Espero mesmo que possa acontecer no futuro.

Trubin

ZG: Conta-nos um pouco extrafutebol. Como é o dia de folga? Estás a gostar de viver em Lisboa?

T: Na verdade, gosto muito de ficar em casa, mas a minha noiva gosta de sair e, por isso, acompanho-a e vamos passear a algum lado. Vivemos perto do mar e eu gosto de caminhar junto ao mar, eventualmente tomar um café. Tento fazer tudo para manter a cabeça fresca para os próximos jogos e treinos.

ZG: Tens de passar a vir comigo para a Costa da Caparica. (…) Vamos lá beber um cafezinho.

T: Sim, sim. (…) Claro.

ZG: Sabemos que estás a aprender portuguêstem sido muito difícil? O que é que já sabes dizer?

T: Eu posso falar português, mas um pouco. Eu acho que… Falar, mas palavras simples.

ZG: É uma língua difícil…

T: Sim, sim, mas dentro do campo, nesta época, para mim é mais fácil falar com os jogadores.

ZG: O teu país vive neste momento, um momento muito complicado. Como é que tem sido viver diariamente com notícias tão tristes?

T: Para mim é um pouco… Não só um pouco, é muito difícil porque vejo constantemente as notícias, falo com a minha família sobre o que aconteceu ou não. É duro, muito duro para mim. Quero mesmo lá ir porque tenho saudades da minha casa, da comida ucraniana, dos meus amigos… Mas agora não é o melhor momento. Tenho saudades, mas temos aqui muitos ucranianos e portugueses que são muito amáveis e que nos ajudam em tudo.

ZG: Tive o privilégio de estar em Kiev. Gostei muito de ter conhecido, mas são coisas do destino e temos de olhar em frente.

T: O que posso dizer de Kiev é que é uma das melhores cidades do mundo. Quando tudo acabar, convido-os a visitá-la porque lá tudo é perfeito. Não tudo, mas quase.

Trubin

ZG: No Benfica já tiveste oportunidade de jogar na Luz e em estádios cheios de Benfiquistas. É especial jogar a mais de 400 quilómetros de Lisboa e ter sempre um mar vermelho à espera? Surpreendeu-te haver sempre um Benfiquista onde quer que seja?

T: Quando cheguei, sim. Foi uma surpresa para mim. Jogamos muitos jogos fora, mas é como se fosse em casa porque vemos os nossos adeptos, em todo o lado, com a camisola vermelha do Benfica. Para mim foi uma surpresa. Às vezes parece que jogamos em casa, mas noutro estádio.

ZG: Tenho essa experiência própria. Nos cinco cantos do mundo, havia sempre pelo menos um benfiquista, havia sempre. Em todo o lado há benfiquistas.

T: Na pré-temporada tivemos jogos fora, noutros países, mas com o estádio cheio de Benfiquistas e é uma loucura. Loucura, no bom sentido.

ZG: Quando ouves o hino do Benfica, o que é que sentes?

T: É como… Você sabe, arrepios! E para além disso gosto dos jogos à noite. Está escuro, e quando as luzes se desligam, e com as luzes vermelhas, é vermelho por todo o lado. E os adeptos a cantar… É uma loucura, é especial!

ZG: Conta-nos como vive um jogador a chegada do autocarro ao estádio… Muitas vezes o percurso, sempre com muitos adeptos, muito apoio…

T: Para mim é sempre parte do futebol. Talvez duas horas ou hora e meia antes do jogo, as ruas já estão cheias com os nossos adeptos e, para mim, é o mesmo, seja dentro ou fora do estádio. Arrepia. Sente-se o ambiente mesmo fora do estádio.

ZG: É arrepiante, não é?

T: Sim, sim.

José Henrique e Trubin

ZG: Para terminar, diz-me o que é que significa o Benfica para ti

T: Para mim… É algo que temos dentro do nosso corpo e alma, porque quando vestimos esta camisola percebemos que por trás de nós estão, talvez, milhões de pessoas que amam este Clube e temos de dar não 100%, mas 1000% para ganhar, para os fazer felizes. E claro, há uma grande pressão, mas é fantástico porque isto é futebol. Os adeptos estão sempre no estádio a apoiar e é algo que nunca tinha visto antes. E o que significa para si?

ZG: Benfica para mim é o meu pai, é a minha mãe, é a minha família, eu cresci aqui. A primeira vez que vim para o Benfica foi em 1959 e ainda hoje estou cá no Benfica. Falando do Benfica, nunca tenho palavras. Aquilo que sinto é: o Benfica a mim não me deve nada e eu devo tudo ao Benfica. Se sou aquilo que sou hoje, posso agradecer ao Benfica, portanto, para mim o Benfica é tudo na minha vida.

T: Então é o seu primeiro amor.

ZG: Eu passo mais tempo aqui no Benfica do que em minha casa.

T: É sempre assim.

ZG: A minha esposa, qualquer dia mete-me as malas à porta. Passo mais tempo no Benfica do que em casa.

T: Compreendo perfeitamente.

ZG: Continua a jogar, continua a treinar porque nós só podemos ser bons quando trabalhamos e a cada dia temos de trabalhar mais, para sermos melhores. E é isso que eu te desejo, que estejas cá muito tempo no Benfica.

T: Muito obrigado pelas suas gentis palavras. Para mim, é um prazer conhecê-lo, conhecê-lo melhor como uma grande lenda do Benfica, especialmente por ser de guarda-redes para guarda-redes.

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