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Entrevista completa de Bruno Lage

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Campeão: olhar para trás e ver que compensou
“Quem se dedica tanto a uma profissão e depois chega ao fim e tem um registo fantástico como este de ser campeão nacional, deixar uma marca e entrar na história, primeiro do Benfica e depois do futebol português… tudo isto é gratificante. Depois de 20 anos de carreira, compensou por aquilo de que abdicámos. Tem de ser esse o significado de uma vida: fazer o nosso trabalho e, quando olhamos para trás perceber que o caminho que percorremos teve um significado.”

O telefonema de Luís Filipe Vieira no dia 3 de janeiro
“Foi numa situação em que já não estava à espera. Cheguei a casa por volta das 20h30, para voltar ao Seixal depois de ter estado a trabalhar o dia inteiro, a preparar o jogo que tínhamos. Depois desse dia de trabalho, foi regressar à base para falar com o Presidente. A primeira ideia é a de ter oportunidade para mostrar trabalho. É essa a minha forma de estar. Foi sempre dessa forma que encarámos cada jogo, como uma forma de tirar a pressão aos jogadores, transmitir-lhes que têm uma oportunidade de fazer algo e não pressão para fazer algo. Queria, enquanto cá estivesse, mostrar o homem e o treinador que sou. Foi esse o caminho que fiz.”

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Onze para a estreia com o Rio Ave logo na cabeça
“Foi logo uma das coisas que disse quando aqui cheguei. Vou meter o miúdo [João Félix] a jogar! Foi a primeira coisa em que pensei. Entrei no carro, meti-me na estrada e comecei a pensar: se quero deixar uma marca, é dar continuidade ao que tem vindo a ser feito para a aposta firme na formação. Senti que havia essa oportunidade. Íamos jogar em casa numa altura em que as coisas não estavam a correr bem e, para mudar alguma coisa, era jogar em 4x4x2 e meter o João Félix a jogar.”

A primeira intervenção no balneário
“Acho que tive uma intervenção que de alguma forma marcou os jogadores. Senti isso, que ia ser o líder deles. Estamos no balneário a falar e há um momento em que me sento com eles e peço para olharem uns para os outros. A partir daquele momento, iam ter de jogar em função uns dos outros, que um teria de correr pelo outro, ainda mais… mais um pouco. Comecei a sentir que eles estavam a ouvir-me. Eles dão ainda mais se sentirem que podem jogar como equipa. Eu senti que, se as coisas corressem bem, podia continuar a ser o treinador deles.”

Como encontrou os jogadores
“Era apenas desilusão com os resultados. Aquilo que me passaram quando cá cheguei, nas primeiras conversas com o Presidente – e depois com o Tiago Pinto e com o Rui Costa –, foi que o grupo era bom, estava unido, tinha acabado de perder um treinador, um excelente homem, e a desilusão que se vivia era apenas pelos resultados. Temos de ter consciência disso, que o ganhar ajuda a ganhar, e o perder por vezes leva-nos a perder se os níveis de confiança não nos ajudarem a sair dessa situação. Foi isso que eu senti, o grupo triste pelos resultados, mas sempre muito unido à espera de uma nova liderança. A psicologia para os jogadores – e para nós, na vida – é trabalhar. A seguir ao nosso primeiro treino senti que se fechava um capítulo e que tínhamos um jogo para preparar.”

Extrair o melhor de cada um sem contrariar o seu ADN
“Temos de potenciar ao máximo os nossos ‘cavalos de corrida’. E uso esta expressão em jeito de brincadeira. Aquilo que o Pizzi faz entre linhas, a forma de acelerar o jogo de João Félix, Seferovic, Rafa, Cervi, mais Grimaldo, mais André Almeida… Vamos tirar aquilo que é o próprio ADN da equipa e do jogador? Calma! Há que marcar golo, mas termos de dar 50 ou 60 passes, isso não é natural, é ir contra aquilo que eles querem oferecer à equipa. O que nós fizemos de início foi perceber muito bem os jogadores.”

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As alterações táticas feitas
“Em termos de avaliação defensiva, uma forte pressão à saída do jogo adversário; em termos ofensivos, começar a construir detrás, pelo nosso guarda-redes. Não era de um momento para o outro que iríamos ter esses comportamentos sem treinar. E mais: treinar, fazer bem e ganhar confiança para fazer isso contra os adversários. Ter uma pressão defensiva forte foi fundamental, sendo que esse foi logo um dos aspetos que foram reconhecidos. Crescemos em pequenas coisas que nos deram o rendimento coletivo que tivemos durante estes últimos quatro meses. Há muita coisa por trabalhar, temos de ser uma equipa ainda mais consistente a defender, consistente a atacar e tentar ter o equilíbrio, porque, por vezes, em certos momentos, ainda faltam algumas coisas, mais concretamente na transição defensiva.”

Lufada de ar fresco nas conferências de Imprensa
“Eu meti na cabeça que tinha de ser aquilo que sou. Ser verdadeiro, dizer aquilo que nós íamos sentindo, colocar as coisas como elas são, independentemente de estarmos nos bons ou nos maus momentos, tentar sempre explicar o que íamos sentindo e vivendo. Depois podemos aprender, e eu tenho aprendido muito com o senhor que está ali atrás, o Ricardo [Lemos], um ou outro aspeto que não altera aquilo que dizemos, mas sim a forma como o fazemos. O que me dá maior prazer é eu chegar aqui e poder falar convosco da mesma forma com que falo com os meus amigos.”

Saída de uns, subida de outros no mercado de inverno
“Quem não estivesse feliz tinha de ir à procura da felicidade – e não ser feliz não é, necessariamente, estar triste; é não ter a capacidade de render, como foi o caso do Ferreyra, que é um grande jogador, mas no tempo em que esteve no Benfica não teve oportunidade de ser feliz, não teve oportunidade de render. Fazia-lhe bem procurar um outro desafio. Foi isso que fizemos com ele, com o Castillo e com o Lema. Foram sempre profissionais exemplares, mas não estavam a ter rendimento nem felicidade. Depois, a minha ideia era trazer dois ou três elementos que estavam na equipa B que eu senti que estavam preparados para entrar em janeiro, dar esse passo e formar um grupo reduzido, em que cada um tivesse importância de alguma forma.”

Nas ideias de jogo, quem se adaptou a quem?
“Quando começámos foi um pouco híbrido. Em termos defensivos, rigor absoluto, em termos ofensivos foi 50-50. Disse-lhes que nunca iria pôr em causa nenhuma decisão deles, porque eles é que jogam e têm a bola nos pés, mas que ia ser muito chato no posicionamento. Esse foi o ponto de partida: colocar os médios por dentro, os laterais por fora, os centrais a construir, os pontas de lança a jogar em apoio ou em profundidade. Fomos crescendo, colocando o Pizzi em zonas mais perto do Seferovic ou a dar largura como ala, ou, quando a pressão era grande, baixar e vir ajudar na zona de construção para ser terceiro médio. Foi nesse sentido que construímos a nossa forma de jogar, percebendo o que cada jogador poderia fazer.”

Partir do que cada jogador pode dar…
“Seria contranatura eu ir contra aquilo que são as características dos jogadores. Às vezes ouvimos que o Benfica ganhou, mas que o seu jogo não foi de sucesso. E eu penso: o que é de sucesso? Uma equipa que foge às regras? Uma equipa que faz 103 golos, que tem Seferovic com 23 golos, Rafa com 17, João Félix com 15, Pizzi como rei das assistências [19]… partir daquilo que cada jogador pode dar, criar uma forma de jogar. Foi isso que fizemos.”

Seferovic e João Félix: uma dupla que “liga bem”
“[Dupla Seferovic e João Félix] Aconteceu com naturalidade. Independentemente de questões táticas, isto é um jogo de ligações e relações humanas. Percebi que ligavam bem, nomeadamente nas movimentações e posicionamentos. Um procura espaços nas costas da defesa, outra à frente da defesa. Logo ali, nesses primeiros dias, percebi que as coisas poderiam resultar. Depois, tive a oportunidade de falar com o Seferovic. Ele é um individuo muito importante para a equipa, principalmente no que faz no processo defensivo, e isso ajudou a que a dupla funcionasse. As duplas Jonas-Seferovic e João Félix-Jonas também funcionaram muito bem. Para além destes três jogadores, temos o Jota. Tínhamos sempre muitas opções para a frente.”

As eliminações da Taça de Portugal e Liga Europa
“Nós nunca partimos para o jogo da 2.ª mão a pensar no resultado da 1.ª, ou seja, não era a nossa estratégia ir a Alvalade a pensar no 2-1, ou ir a Frankfurt a pensar no 4-2. O objetivo foi sempre tentar impor o nosso jogo. Isso é a crítica que eu faço à nossa equipa e fiz isso muitas vezes internamente, porque senti que nós, quando tínhamos algo na mão, jogávamos com ‘travão de mão’. Podíamos e devíamos ter feito melhor na Taça de Portugal e na Liga Europa. Não fizemos, por culpa própria, e quando fomos eliminados falámos sobre isso. É algo que temos de corrigir. Não podemos ficar à espera, por estarmos a vencer. O jogo muda e nós perdemos o controlo das coisas. Nunca foi nossa intenção fazê-lo, mas aconteceu e é um dos aspetos que temos de melhorar.”

Uma decisão muito difícil antes do jogo com o Santa Clara…
“Quando estávamos em 1.º lugar percebemos que ainda tínhamos um longo caminho a percorrer, porque sentimos que o FC Porto não ia facilitar. Sentimos que já não podíamos perder o Campeonato depois de estarmos na frente. E aí tive de tomar uma decisão muito difícil, antes do último jogo. O Ivan [Zlobin] e o Yuri [Ribeiro] ainda não tinham minutos… Convoquei-os, estavam connosco… Falei com os dois e disse-lhes que iam ficar de fora dos 18. Deixá-los na convocatória passaria a ideia de que as coisas já estavam feitas e tivemos a preocupação de nunca passar isso aos jogadores. Mas, da nossa parte, não são menos campeões.”

SL Benfica-FC Porto
Herrera, o jogador fora do Benfica que mais impressionou
“Gosto muito de médios. O Herrera faz tudo. Constrói, cria, faz golos, pressiona, corre os 90 minutos. Foi o jogador que mais me impressionou, porque dá uma grande dimensão ao FC Porto. Eu não o conheço, mas, pelo que vejo, deve ser também um enorme líder. No clássico, a minha preocupação era onde o Sérgio Conceição ia colocar a jogar o Herrera. Acho que conseguimos anulá-lo e tirá-lo do jogo.”

Equipa adversária mais complicada?
“Tive a oportunidade de defrontar todos os treinadores, cada um a colocar-nos problemas interessantes de resolver. Este jogo com o Santa Clara [o do título] foi interessante pela forma como o Santa Clara jogou; o do Moreirense, a certa altura, porque começaram a colocar vários jogadores perto dos nossos médios; os jogos com o FC Porto foram grandes duelos táticos; com o Sporting também, pela mudança tática do treinador do Sporting [1.ª mão da Taça de Portugal]; o jogo de Guimarães, o segundo, no Campeonato, também foi muito difícil; o de Braga igualmente, com o Abel a fazer um trabalho fantástico; o jogo com o Tondela, por vários fatores…”

Inglaterra: um exemplo no reconhecimento dos méritos
“O futebol inglês são as pessoas, os jogadores, os dirigentes, os árbitros… Se em Inglaterra se dá mérito ao City e ao Liverpool por aquilo que fizeram, porque é que aqui se fala de demérito quanto ao 2.º classificado e a campanha que o FC Porto fez, fantástica, com 85 pontos, que nos obrigou a fazer 87 (e ainda com duas finais e o percurso na Liga dos Campeões). Em Inglaterra é isto que dizem do City e do Liverpool, que tiveram muito mérito; é também isto que em Portugal se tem de dizer do Benfica e do FC Porto.”

Jonas vai continuar no plantel?
“Aquilo que representa para o Benfica e a conversa curiosa que tivemos é que eu quero que ele esteja sempre feliz entre nós. ‘Quero-te ver sempre de sorriso! Sei que estás com dores, mas quero ver-te com um sorriso, tranquilo e sempre disponível para ajudar. Vais de férias campeão, com 300 golos no currículo, e depois quando chegares falamos.’ Se ele continuar, tenho de pagar uma promessa, porque eu quero que ele continue.”

João Félix: a importância de dar passos seguros
“Recentemente, um antigo jogador do Benfica e com estatuto, o Nico Gaitán, fez uma referência curiosa. Às vezes trocamos a pensar que vamos para melhor, mas, quando lá chegamos, arrependemo-nos. Temos de criar uma carreira sólida. Tenho 20 anos de carreira, mas estive em poucos clubes. O João Félix tem quatro/cinco meses de equipa principal do Benfica. Acho que lhe fazia bem consolidar esta época fantástica que teve, consolidar a sua posição na Seleção Nacional e aí, depois, dar um passo ainda maior na sua carreira. Acredito que não seja fácil para um miúdo de 19 anos sair e começar tudo de novo. Seria importante fazer uma carreira sólida, com passos seguros.”

Mercado e reforços para 2019/20
“Em função daquilo que é o plantel da equipa principal e das posições que nós pretendemos reforçar, primeiro temos de olhar para dentro e perceber se temos jogador à altura para, no imediato, o colocar aqui. Se não tivermos em casa, aí, sim, é ir ao mercado. Baliza? Temos o Ivan [Zlobin], que ainda não jogou. Alguns de vós acompanham a equipa B. Ele fez uma 1.ª volta fantástica. Assim como os outros dois guarda-redes [Daniel Azevedo e Fábio Duarte]. Temos de estar preparados para a hipótese de perdermos jogadores. Há eventualmente alguns jogadores que têm de sair porque não foram felizes e, aí, eu assumo sempre a responsabilidade. Até aqui estivemos sempre concentrados naquilo que era o Campeonato.”

Jogadores da equipa B na calha para subir já
“Há dois ou três jogadores que vão, eventualmente, fazer a pré-época connosco. Não teria problema nenhum em dizer-vos os nomes, mas eles ainda não foram informados.”

Mudança nas regras do jogo na próxima época
“[Em 2018/19, nos livres dentro da área e nos pontapés de baliza, a bola passa a entrar em jogo assim que for pontapeada, com os jogadores da equipa que tem a posse a poderem receber a bola dentro da área] Temos de perceber o que pode acontecer, mas a nossa preocupação, quando entrámos, foi tentar resolver aquilo que tínhamos no imediato. Qualquer alteração das regras em função do guarda-redes tem de mudar o jogo, mas o nosso staff já está a trabalhar na próxima época e esse é um cuidado que nós temos de ter. É uma regra que vai mudar o jogo e nós temos de nos preparar para isso.”

Como se deu o regresso a Portugal
“Quando eu era adjunto de Carlos Carvalhal na Premier League, recebi uma chamada do Presidente: ‘Quando vieres a Portugal, temos de estar juntos para prepararmos o teu regresso ao Benfica.’ Não me disse mais nada, mas eu percebi logo o que era e que eventualmente o desafio poderia ser o da equipa B. Depois, ele falou-me no projeto com cinco anos, e eu percebi que esses cinco anos poderiam significar mais alguma coisa do que ser treinador da equipa B. A vida é feita de ciclos, pensei que, entre o terceiro e quarto ano, depois daquilo que foi feito no Benfica e toda a aposta na formação, poderia haver ali um momento para alguém da casa, preparado para assumir.”

Saída de cena… até já: a importância dos momentos em família
“Vamos fechar a época hoje, depois eu saio de cena. Quero voltar o mais rápido possível (se for possível) à minha vida normal… Eu represento, neste momento, o que é ser treinador do Benfica, mas não deixo de ser o Bruno. Enquanto aqui estiver com o símbolo do Benfica, vou estar disponível para tudo, mas há um momento que é muito importante, que é quando estamos com a nossa família, no nosso dia a dia. É importante as pessoas respeitarem isso, porque eu respeito muito quem nos procura. As pessoas não me procuram a mim, procuram o treinador do Benfica. Quando saio todos os dias daquela porta [Caixa Futebol Campus], se estiverem lá pessoas à espera para tirar fotografias, eu paro o carro, saio e tiro as fotografias. Mas, quando estou com a minha família, gostava que respeitassem. Faz-nos falta voltarmos àquilo que é o nosso dia a dia, a nossa normalidade, o no cafezinho do costume, estarmos descansados e tranquilos.”

A visão de “um homem comum”: equilíbrio em vez de exagero
“Eu, em jeito de brincadeira, falei das ‘amolgadelas no carro’, e nós temos muito isso. Ao longo dos anos temos tido essas histórias, como se ganha, um episódio ou outro que se partiu um balneário, que se destruiu isto e aquilo. Tem de haver equilíbrio, nós estamos a ganhar, vamos comemorar, mas não temos de ir ao exagero. Muitas das coisas que acontecem é devido ao exagero. Quer no futebol, quer na sociedade, e sem nenhuma direção política, é isso que nós temos de fazer: primeiro perceber o futebol e o que é o futebol, e depois fazermos o nosso trabalho. Sou um homem normal, comum e que tem a felicidade de fazer aquilo que gosta.”

Referência para os treinadores da formação
“Sou um exemplo entre muitos. Houve Carlos Queiroz, Mourinho, Villas-Boas, Vítor Pereira… um sem-número de treinadores com vivências de formação e com sucesso profissional. Sou mais um exemplo de alguém que está a começar a preparar-se para fazer o seu caminho. Não há caminhos iguais. Tive a sorte de ter treinado todos os escalões de formação dentro do Benfica, a equipa B e agora a equipa A. Sou um exemplo, mas há outros no FC Porto, no Sporting que fizeram este trajeto na formação e que chegaram à equipa principal.”

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