João Gabriel: "Se eu fosse presidente da NOS, repensava o meu investimento".
RECORD – Francisco J. Marques tem tido um papel muito ativo. É o que se pede a um diretor de comunicação?
JOÃO GABRIEL – Não creio que nas funções de um diretor de comunicação caiba participar na prática de um crime. Ele é maior e imputável, e sabe que a liberdade de expressão tem limites e consequências. Espero que tenha a garantia de apoio total da sua entidade patronal.
R – Mas as acusações de Francisco J. Marques serão uma posição também assumida pelo FC Porto?
JG –Seguramente. Mas, já agora que o FC Porto está nesta cruzada pela transparência, o que é uma novidade, seria interessante que eles permitissem o acesso – à Polícia Judiciária ou ao ‘Expresso’, que se tem mostrado muito ativo, ou a quem entenderem – aos e-mails dos seus dirigentes no mesmo período daqueles que divulgou…
R – Acha que isso pode acontecer?
JG – Certamente que não, seria demasiado arriscado [risos]. Mas, em boa verdade, se alguém quiser investigar casos estranhos, sem ter de recorrer a e-mails, pode começar pela descida do árbitro Tiago Antunes na época passada.
R – Está a acusar o FC Porto de ser responsável?
JG – Não estou a acusar, mas seguramente que todos se lembram da ameaça do engº Luís Gonçalves ao árbitro Tiago Antunes no Sp. Braga-FC Porto e que está documentada no relatório do árbitro. A frase foi “a tua carreira vai ser curta”. O que é que aconteceu no final da época? Tiago Antunes desce de categoria. Seria interessante o Conselho de Arbitragem divulgar que notas tinha este árbitro até este jogo e que notas passou a ter após este jogo.
R – Insinua que Tiago Antunes desceu de categoria pelo episódio que teve com Luís Gonçalves?
JG – Fiz apenas duas constatações. A ameaça do engº Luís Gonçalves, pela qual foi castigado em 30 dias sem que o FC Porto tenha recorrido. Segundo facto: três meses depois, o árbitro desce de categoria.
R – É normal ex-árbitros terem contactos com os clubes?
JG – Sei onde quer chegar. Em primeiro lugar repito, desconheço a veracidade desses e-mails, mas vamos partir do princípio que eles existem. ‘Ex’ é um prefixo que indica que alguém deixou de ser aquilo que era, ou já se esqueceram do legado de António Garrido?
R – Quando é que este clima de suspeição e guerrilha vai acabar?
JG – Quando tivermos um presidente da Liga competente e mais preocupado em desempenhar as funções para as quais foi eleito do que com a sua imagem. Nos últimos dois anos, a Liga sofreu o maior ataque à sua credibilidade, com a cumplicidade, por inação, do senhor Pedro Proença.
R – O presidente da Liga deveria ter agido de forma diferente?
JG – Não há coincidências, os seus dois anos de mandato coincidem com os ataques mais baixos à integridade e à credibilidade da Liga, mas sempre com um denominador comum: ataques permanentes ao Benfica. Foram os vouchers, foi a idade do Renato, a cartilha, foi a Liga Salazar, agora são os e-mails. Tudo isto acontece no mandato de alguém que se candidatou para, nas suas palavras, credibilizar, criar valor. Falhou em toda a linha.
R – Para o Benfica, Pedro Proença é oposição? Está alinhado com FC Porto e Sporting? É isso?
JG – Não falo pelo Benfica, falo como adepto. E a resposta é positiva. Um exemplo: os vouchers. Pedro Proença, que recebeu durante pelo menos dois anos o Kit Eusébio, foi incapaz de vir a público dizer: “Recebi durante dois anos, e nunca me senti condicionado.” E, se quisesse, até podia ter acrescentado que tinha prejudicado o Benfica mesmo depois de receber o kit [risos]. Disse zero, pactuou por omissão com uma campanha difamatória que durou um ano e meio.
R – Já durante o ano deu várias alfinetadas no presidente da Liga…
JG – Não se tratam de alfinetadas, são factos. Acha normal, na fase final do campeonato, haver um clube com assento na direção da Liga que passou a designar, em todos os seus meios oficiais, a Liga NOS como Liga Salazar? O que é que Pedro Proença fez? Zero! Se eu fosse presidente da NOS, repensava o meu investimento.
R – Nas suas palavras, Pedro Proença não serve para presidente da Liga?
JG – Esta Liga não serve o futebol português, e isso tem que ver com a liderança de Pedro Proença. O período mais conturbado do futebol português dos últimos anos coincide com o mandato deste senhor. E o caso dos e-mails é só mais um bom exemplo.
“FC Porto vai ser atingido pela sua estratégia”
R – Tem acompanhado o caso dos e-mails?
JG – É um dos episódios em que se anuncia de forma catastrofista um furacão de nível 8, e depois nem a uma tempestade tropical chega.
R – Desvaloriza tudo?
JG – Ninguém pode desvalorizar, porque o que se passou é demasiado grave, mas não pelas razões que o FC Porto evoca. Os e-mails são apenas uma operação de contaminação da opinião pública com base na devassa, verdadeira ou falsa, ou um misto dos dois, de correspondência privada. Desprezível.
R – Está a falar da forma como surgiram os e-mails. E o conteúdo?
JG – Podemos falar do conteúdo, mas a forma aqui define o caráter de quem está por trás de tudo isto. Se os jornalistas e os opinadores que do alto do pedestal escrevem sobre este caso como se fossem os donos da moralidade, tivessem a sua correspondência devassada e difundida de forma parcial e distorcida, talvez aí percebessem a gravidade do que o FC Porto fez.
R – Mas não há aspetos que devem ser investigados?
JG – Tudo deve ser investigado, a começar pelo crime que está na base desta campanha. É fácil, com base em supostos e-mails cuja autenticidade desconheço, generalizar, insinuar, tirar do contexto, falsear até. A suspeição é fácil de gerar, mas é intolerável.
R – O FC Porto está a instrumentalizar e-mails verdadeiros ou a falsear os mesmos?
JG – Pode ser um misto. Sinceramente, não sei, mas sei que o FC Porto também vai ser atingido pela sua própria estratégia.
R – De que forma?
JG – Recolhemos sempre o que semeamos. O FC Porto lançou um manto de suspeição num negócio em que cada vez mais a credibilidade das competições é essencial. Esta campanha não prejudica o Benfica, prejudica o futebol português, afasta patrocinadores, público, mancha a imagem da Liga.
R – Mas o FC Porto evoca tráfico de influências, e fala no maior escândalo do futebol português…
JG – Se assim fosse, tinham procedido de forma diferente, não tinham transformado isto num ‘reality show’ servido a conta-gotas que, sem provar nenhum ilícito, cria uma perceção errada. Estão tão obcecados por só se falar da vida dos outros que vão ficar sem tempo para cuidar da deles.
R – Alinha na ideia de que o caso dos e-mails serve para distrair do insucesso recente do FC Porto?
JG – É uma explicação. O FC Porto sabe que não há matéria, e por isso faz uma operação massiva de comunicação. Querem a todo o custo ter alguém que lhes faça companhia no Apito Dourado.
R – É inevitável falarmos de outra das pessoas mais visadas neste caso, Paulo Gonçalves…
JG – Tenho a honra de contar com o Paulo como meu amigo e a certeza de que, mesmo passando por uma situação pessoal complicada, daquelas que efetivamente nos fazem repensar tudo, o seu único pecado foi e é defender de forma intransigente o Benfica, sem nunca transgredir. O Paulo é um grande profissional e não merecia esta patifaria.