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João Q. Manha: “No meio desta vigilância quase doentia(ao Benfica) aparece um árbitro como Manuel Oliveira “

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“Nos anos 80 do século passado, numa qualquer viagem com uma equipa de futebol, o saudoso Neves de Sousa criou um cumprimento entre os jornalistas, que ainda hoje utilizamos como senha privada:
– Então, tudo bem?
– Tudo tratado, só falta o dinheiro para o árbitro.

Era assim que olhávamos para os bastidores do futebol nacional há 30 anos, há 20, há 15, mas já não, seguramente, depois do “apito dourado” e do processo de profissionalização encetado com a organização do Europeu, os novos estádios, os melhores jogadores e treinadores de sempre e uma Federação prestigiada.

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Neste contexto positivo, as práticas reveladas pela devassa dos emails do Benfica fazem-nos recuar décadas, à penumbra tabagista do “Calor da Noite” e do “Trombinhas”, ao pequeno tráfico de influências em que pontificavam os dirigentes das associações distritais, com as mãos na disciplina, na arbitragem e nas regulamentações, prestando contas apenas ao clube dominante. Era um pequeno tráfico mais para consumo próprio, do que para grandes negócios, um golo fora-de-jogo aqui, um pénalti ali, uma expulsão perdoada acolá, quase sempre em quantidades toleradas pela lei do mais forte, mas efectivamente em linha directa entre clubes e árbitros, pesando estes como a cocaína, o produto mais valioso deste tipo de tráfico.

Nos últimos anos, em conjunto com um desenvolvimento modelar e ímpar da organização desportiva, das infraestruturas e dos recursos humanos, o Benfica terá cometido o erro de querer ser dominante também no lado negro da bola e, claro, deu-se mal: nunca lutes com o porco, explicava recentemente António Salvador, citando Bernard Shaw.

Todavia, continua sem se perceber como é que, na organização que terá montado, o Benfica influenciava directamente os jogos e os resultados, por mais rebuscadas que sejam as alegações sobre as entregas de camisolas, cachecóis e autógrafos nos parques de estacionamento da Luz, fotografadas por agentes secretos como se tratasse da entrega de um quilo de “produto”.

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Quando Paulo Gonçalves tirou o Curso no FC Porto, o controlo dos bastidores regulamentares e do campeonato dos gabinetes era feito dentro da lei, nos tempos dos xitos, e regado a uísque velho no Conde Redondo, sempre que havia uma Assembleia Geral da Federação. Quando avançou para o Mestrado no Boavista, aprendeu a controlar o sistema fora do âmbito associativo, através da Liga, embora com o risco de ter de entregar os chefes à Justiça para salvar a pele, em caso de crise, como aconteceu. E, finalmente no Doutoramento no Benfica, parece que conseguiu isolar o clube e os seus dirigentes de eventuais malefícios do processo, ao doar o próprio corpo ao Julgador.

O desenvolvimento “académico” de Paulo Gonçalves seria a metáfora ideal para descrever o trajecto até ao crime perfeito, evoluindo num ciclo em que as novas leis o tornavam supostamente impossível, se na prática fosse possível detectar e isolar a correspondência entre um cachecol e um golo fora-de-jogo, uma camisola e um pénalti, um bilhete VIP e uma expulsão perdoada. Até ver, isso ainda não pode ser entendido como “o dinheiro para o árbitro”.

No meio desta vigilância quase doentia sobre os benefícios directos que o Benfica alegadamente extrai dos seus vouchers para bife com champanhe, aparece um árbitro como Manuel Oliveira, a escarnecer da ética da sua profissão em plena tribuna do estádio do Dragão. Mesmo que tenha comprado o bilhete para ver a bola tu cá tu lá com Pinto da Costa, corria enormes riscos de ser nomeado para um jogo do FC Porto e acontecer-lhe o que lhe aconteceu ontem em Setúbal.”

Texto de João Querido Manha
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