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Rui Vitória em Entrevista completa

Percebeu que a sua vida iria mudar no dia em que o presidente do Benfica lhe telefonou. O novo técnico das águias, de 45 anos, não define limites para a carreira, mas confessa que gostava de ficar muito tempo na Luz. Pelo menos o suficiente para retribuir a confiança que recebeu. E já sonha festejar no Marquês…

RECORD — Lembra-se do dia em que Luís Filipe Vieira o convidou para ser treinador do Benfica?

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RUI VITÓRIA — Foi na manhã seguinte ao jantar dos deputados, que decorreu na Luz. Lembro-me, porque tinha ouvido o discurso na noite anterior.

R — Como foi o primeiro impacto?

RV — Pensei que a história ia mudar. A partir daquele momento dificilmente alguma coisa se alteraria na minha cabeça e acreditei logo que, havendo o primeiro contacto, sabendo eu como o presidente do Benfica funciona e pensa, as coisas já não mudariam. Foi a minha sensação. Nessas coisas não funciono muito por contrato e dinheiro. A primeira coisa que digo sempre aos dirigentes quando abordam os jogadores é perguntarem se querem, ou não, representar determinado clube. Essa é a primeira questão. E comigo foi assim, quero ou não quero? Quero! A partir daí fica resolvido.

R — Nunca temeu que Luís Filipe Vieira mudasse de ideias, até porque chegou a falar-se de outros nomes?

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RV — Não! Sempre estive preparado para um desfecho dessa natureza, mas sinceramente, sabendo como as coisas funcionam e como o presidente pensa, não tive muitas dúvidas.

R — Antes disso, um dos cenários chegou até a ser a continuidade de Jesus. Sentiu aí o Benfica mais longe?

RV — Nessa altura, claramente, não era comigo. Ninguém tinha falado comigo. A minha paz passa por nem sequer me perturbar quando as coisas não são concretas. Era apenas um dos treinadores de quem se falava. Quando há um convite do presidente, as coisas tornaram-se diferentes, mas até lá nunca pensei mais do que isso. No futebol fala-se muito mas até à concretização vai uma grande diferença.

R — Agora que já está a trabalhar em pleno, quais as primeiras impressões que tem do Benfica?

RV — Ainda melhores do que pensava. Quando aqui entrei, pensei primeiro em observar e só depois implementar as nossas ideias. E quando chego vejo as coisas a funcionar de forma muito fluída. Não quero abordar a estrutura como se fosse um edifício. Encontrei uma equipa de apoio muito lida, com conceito de equipa muito bom, e muito disponível para o trabalho. E uma organização fantástica! Depois, quando comecei a trabalhar com os jogadores, percebi que há indicadores muito positivos de quem quer continuar a vencer; de quem tem a ambição intacta, de quem tem uma alegria muito grande a trabalhar. Não posso quantificar, mas nós que andamos no futebol conseguimos identificar determinados sinais e perceber que há aqui indicadores muito positivos. Quando começamos a olhar para uma estrutura organizativa, para as ideias de um clube moderno, tendo em conta o que são já os padrões europeus, e vemos que o nosso clube já está a funcionar dessa forma… é muito bom! Quando vejo um grupo de jogadores que vêm para o trabalho de forma alegre, com vontade e querer; é ótimo. E sinto isso.

R— Foi este o momento ideal para dar o salto do Vitória de Guimarães para um clube de outra dimensão?

RV— Essa ideia nunca está completamente definida. Ao longo destes anos fui sempre, de alguma forma, antecipando cenários. E quando estava num clube fui sempre pensando: se isto vier a acontecer num clube maior, como vou fazer? Ia analisando tudo o que se processava à minha volta. E hoje sinto-me perfeitamente à vontade, como se já cá estivesse há muitos anos. Em relação ao momento, penso que é melhor entrar num clube a ganhar do que a perder. Agora, há sempre a história do copo meio vazio ou meio cheio, depende de quem olhar. Não há momentos ideais, mas gostei particularmente desta fase em que entrei. Há que aproveitar esta onda tão positiva, esta dinâmica que está criada, e implementar as nossas ideias, dar o nosso cunho pessoal. Porque foi isso que me propus: analisar e ver o que é necessário.

R — Frases como “não sou tolinho” ou “não caí aqui de pára-quedas” foram proferidas por si na apresentação e depois repetidas. Sente necessidade de mostrar que tem valor?

RV — O tolinho não repeti mais. Mas são frases que todos conhecemos e serviram para tentar enquadrar o momento. E preciso dizer às pessoas que sabemos o que temos a fazer; nomeadamente em relação à questão da formação. Durante este tempo vi e ouvi muita gente a falar que não se ganha com a formação, que isso não é um processo que se mude de um dia para o outro… É óbvio que isto não é um estalar de dedos. Quisemos dizer que nós, no clube, sabemos o que vamos fazer. E isso vai ser gradual, consistente. Puxando um pouco os galões, já tenho alguma vivência a lidar com os jogadores, uns mais novos do que outros, também tenho uma visão abrangente do que é a organização de um clube e, de certa forma, tenho alguma habilitação para perceber quando se deve lançar um jogador, quais são os momentos mais favoráveis, que condições temos de criar para que esse jogador possa render. Em relação ao pára-quedas, foi para dizer que ninguém entra num clube destes a chegar do Barcelona. O José Mourinho, por exemplo, veio da U. Leiria, o André Vilas-Boas estava na Académica, o Jorge Jesus veio do Braga. Tive um percurso sempre muito consistente, quer na progressão em temos de exigência competitiva, quer de resultados e de desafios, que foram sempre mais difíceis. Chego ao Benfica com o clube a ser campeão no ano anterior. Quando fui para o Fátima tinha conseguido um 2.° lugar e, naturalmente, a exigência seria o 1.º. Quando chego a Paços de Ferreira, o clube tinha alcançado uma final da Taça de Portugal. Quando vou para Guimarães, o clube tinha alcançado a presença na Liga Europa… Há sempre um risco iminente e em todos os clubes, mesmo com dimensões diferentes. Pensei: “Se falhar, posso ter complicações”. Portanto, chego preparado ao Benfica, depois de ter feito um percurso de baixo para cima — não cheguei e estacionei na 1ª Liga. Trabalhei muito e de diferentes maneiras, o que me dá outra bagagem. Se for preciso preparar alguma coisa em Excel, em Powerpoint, ou se for preciso preparar um trabalho de organização no ginásio, eu estou preparado e isso é muito confortável. Aqui temos pessoas a trabalhar para nós, mas sei o real valor daquele trabalho, porque já o fiz, já o passei.

R — José Mourinho, quando chegou a Madrid, disse: “Chegar aqui é fantástico, mas mais fantástico é ganhar no Real Madrid”. Esse sentimento pode ser transportado para o que está a viver no Benfica?

RV — Sem dúvida. Quando me falaram da cadeira de sonho, eu afastei essa imagem porque a cadeira dá ideia de conforto e eu não quero. Isto não é o topo de nada, nem os meus jogadores podem pensar assim. Isto é uma nova caminhada e há muita coisa para conquistar. Não sou lírico, fui sempre muito pragmático e nunca fiz planos a longo prazo. Aqui também não estou muito preocupado com isso. Não chego aqui e estou satisfeito só por treinar o Benfica. Só ficarei satisfeito quando ganhar: Portanto, aqui vivo uma nova etapa da minha carreira, não sei quando a vou terminar; mas sei que é para ser conquistada e não para ser vivida como uma zona de conforto, isso não.

R— No livro que escreveu — “A Arte da Guerra para Treinadores” — fala em dois estilos de equipa. Uma mais combativa e aguerrida, outra mais alegre, com futebol mais bonito. Qual é a que idealiza para o Benfica?

RV — A abordagem foi mais genérica. Quando chegamos a um clube temos de olhar para o contexto onde estamos. Não vale a pena ter uma ideia muito estereotipada e balizada, porque depois pode ser um caminho errado. É preciso analisar o contexto, ver as nossas limitações, as nossas potencialidades e, a partir daí, ter um plano de ação. Agora, gosto de uma equipa que jogue bem. Quando jogava era médio-centro e o que mais me custava era ver a bola andar por cima de mim sem poder tocar nela… Tendo recursos, como estou a ver que tenho, a equipa vai ter a preocupação em jogar bem, com grande dinâmica, muita agressividade, com enorme vontade de querer conquistar este mundo e o outro, mas olhando sempre para o jogo como uma realidade muito especifica. O que as pessoas querem ver é uma equipa com alma, com alegria de jogar, mas que tenha a qualidade a que os adeptos do Benfica estão habituados há muitos anos.

R — Que pergunta gostaria de fazer a Luís Filipe Vieira?

RV — Não tenho nenhuma pergunta em particular. Tenho é um desejo grande de corresponder à oportunidade que me deu. Gostava muito de fazer este percurso com ele. Foi uma pessoa que acreditou em mim. Há muitos treinadores com qualidade por esse mundo fora e ele apostou em mim. Por isso gostava de ter um percurso longo no Benfica, com muitos êxitos em conjunto. Quero aparecer muitas vezes com Vieira de braço no ar: Era sinal de uma etapa bem-sucedida.

R — Tem 10 jogos na Liga Europa e este ano vai estrear-se na Liga dos Campeões. A curta experiência europeia que tem pode condicioná-lo?

RV — Não acredito. E por uma razão simples. Já estudei a Liga dos Campeões de alto a baixo. Já estudei o Benfica na Liga dos Campeões nas últimas épocas. Já tenho uma equipa para estudar as outras equipas da Champions e a nossa própria equipa. Tudo está a ser trabalhado, tentando antecipar cenários. É uma competição de grande nível europeu, mas quando joguei na Liga Europa parecia que já lá estava há muito tempo.

R — O objetivo mínimo será passar a fase de grupos. Se chegar aos oitavos-de-final, considera que o Benfica fez uma boa Liga dos Campeões?

RV — Dependerá sempre muito dos adversários que poderemos encontrar. Aquilo que o Benfica tem feito é ficar pela fase de grupos. A lógica é um pouco como a das empresas. No último ano subiram 10 por cento, mas este ano já não se lembram dessa subida e querem os mesmos 10 por cento. Nós aqui somos líderes, somos vencedores e queremos acrescentar mais qualquer coisa. Fazer mais do que aquilo que foi feito. Se conseguirmos, muito bem; caso contrário, tentámos. Primeiro temos as provas nacionais e depois queremos acrescentar qualquer coisa. Mas tudo depende do sorteio. É sempre com esta dose de ambição que montamos os cenários.

R — No Benfica que está a nascer na sua cabeça faz sentido pensar que Jonas e Lima, uma dupla que rendeu 50 golos na época passada, vão estar juntos em campo?

RV — Faz sentido. As vezes no próprio modelo pode haver um ou outro jogador que, pelas suas características ou pela influência que teve, leve a reajustes nesse próprio modelo. E esses jogadores tiveram enorme importância. Portanto, ou mudávamos o sistema e perdíamos essa natural ligação — e isto é válido para todos os jogadores que se conhecem muito bem —, ou então iríamos tentar aproveitar as características desses jogadores e à volta disso moldar a nossa equipa. Se olharmos bem para um jogador como o Jonas, percebemos que a forma de jogar da equipa tem de ir num determinado caminho.

R — Já tem a garantia de que ambos vão ficar no Benfica?

RV — Essa é daquelas coisas que nunca sabemos, mas há uma preocupação grande com isso e eu espero que continuem. Agora, o futebol muitas vezes surpreende. Se perguntarem aos jogadores, todos vão dizer que gostam de estar no Benfica. Tenho a certeza disso, pelo prazer que esta gente sente ao vir trabalhar. Sem lhes perguntar nada, sinto que esses jogadores querem continuar cá.

R — E em relação a Gaitán? Está preparado para ficar sem ele?

RV — Nestas coisas sou muito pragmático: enquanto cá estiver, ele ou outro qualquer, vai trabalhar sempre da mesma forma, com empenho, e eu também vou olhar para ele sempre da mesma maneira. É um jogador que pode sair? OK, eu sei. Estou a par do que se vai dizendo, mas daí até ser garantida a sua saída ainda vai alguma distância. Enquanto cá estiver… é nosso jogador e conto com ele. E, já agora, deixe-me dizer que o Gaitán está a trabalhar de uma forma brilhante.

R — Queria a sua opinião sobre dois jogadores que chegaram na temporada passada: Jonathan Rodriguez, que é visto no Uruguai como o “novo Luis Suárez”, e Victor Andrade, que chegou a ser observado por Pep Guardiola.

RV — Não gosto de individualizar muito o trabalho. Qualquer palavra pode ter impacto nos próprios jogadores e até na opinião pública e, por isso, não gosto muito de fazer este tipo de análises. O que lhe digo é que o Benfica tem muitos jogadores de qualidade, mesmo os que são menos conhecidos. É também importante dizer que, entre os mais jovens, cada jogador é um projeto diferente. Não gosto de pôr todos no mesmo saco. Cada um deles tem um percurso a realizar. Nós podemos ir daqui para Faro pela autoestrada ou, se quisermos, ir por outras vias. E a verdade é que chegamos todos ao mesmo destino. Em relação ao Victor Andrade, como a outros elementos da equipa B, posso garantir que estou atento. Conheço-os a todos. Aos da equipa B, dos juniores e até dos juvenis…

R — Então já conhece o João Filipe [n.d.r.: jogador dos juvenis que já assinou contrato profissional]…

RV — Já, sim (risos).

R — E em relação ao Jonathan?

RV — Ainda não trabalhei com ele, mas é um jogador de qualidade. O que importa dizer é que o Benfica tem muitos jogadores de qualidade. Uns mais feitos, outros menos, mas temos aqui gente com muita qualidade. E agora cabe-nos a nós fazê-los desenvolver.

R — Trabalhou com o Pizzi no Paços de Ferreira. Acreditava que ele poderia vir a ter a evolução que acabou por ter?

RV — Acreditava. O Pizzi já era um belíssimo jogador quando o vi pela primeira vez. Assisti a um jogo do seu clube na altura, o Covilhã, e disse para mim: “Eh pá!” Vi-o num
Beira-Mar-Sp. Covilhã, pela televisão, e deixou-me impressionado. Fiquei com ele debaixo de olho. Não fico muito surpreendido com a forma como se adaptou a um novo posicionamento porque é um jogador muito inteligente, com técnica apurada. Rodeado de jogadores que o protegessem de uma ou outra limitação que pudesse ter, obviamente que acabaria por ter sucesso. Num Benfica com o lote de jogadores que tem, e atendendo à qualidade que o jogador também tem e ainda à sua inteligência, não estranho assim tanto essa adaptação.

R — Mas conta com ele para a posição em que atuou na última temporada?

RV — Possivelmente, jogará mais por dentro do que pelas alas.

R — Luisão continuará a ser a voz de comando que tem sido nas últimas temporadas? É isso que espera dele?

RV — Luisão faz parte do lote dos capitães e é, mais especificamente, o nosso capitão. Quer isto dizer que haverá um grupo de capitães que terá uma ligação próxima comigo. Não significa que eu vá estar longe dos outros, atenção. Os capitães, como é óbvio, serão jogadores de referência. E aí a principal referência é claramente o Luisão. Por todo o seu passado no clube, mas essencialmente pela enorme importância que tem no próprio jogo e por tudo aquilo que representa no trabalho diário. Claro que já falei com o Luisão. Sei que está cá para o que der e vier. Está no Benfica para lutar, como sempre fez, porque é um excelente profissional. Estamos todos muito envolvidos, podem ter a certeza.

R — Jardel e Pizzi podem vira fazer parte desse lote de capitães?

RV — Há vários jogadores com perfil para isso. Vamos esperar, ainda é um bocado cedo. Continuo a observar muitas coisas e a seu tempo se saberá tudo. Mas, felizmente, posso desde já dizer que há vários jogadores que têm condições para assumir responsabilidades.

«FC Porto não me assusta nada»
R — Vamos olhar para os rivais. Como é que analisa esta revolução que está a acontecer no FC Porto e a forma como o Sporting tem preparado a próxima época?

RV — Cada clube tem a sua realidade. Estou convencido que estão num quadro mais complicado, porque quer um quer outro não têm tido sucesso no que diz respeito a títulos. Vai ser um campeonato muito disputado e até pode ser bom para o Benfica, para que os adeptos possam estar ainda mais ligados e não pensarem que tudo se vai processar em velocidade de cruzeiro. Em conjunto temos de fazer mais. Já estamos a trabalhar bem, mas os adversários vão obrigar-nos a trabalhar ainda mais.

R — Não esquecendo que o Júlio César é um dos grandes guarda-redes do futebol mundial, a vinda do Casillas é boa para o futebol português?

RV — E uma excelente notícia. Tal como o Júlio César, ter jogadores com este currículo só é bom para o nosso futebol. É um bom sinal. É um sinal que olham para as equipas grandes portuguesas como um bom espaço para estarem, e isso só engrandece o nosso campeonato. Por isso, venham mais desses.

R — Com Casillas e outros nomes que se falam, este FC Porto não o assusta?

RV — Não. Sabemos o que estamos a fazer, o caminho que temos de percorrer e temos de olhar sempre jogo a jogo e para nós em primeiro lugar. Não me assusta nada. Há grandes equipas que não dão nada e outras que acabam por surpreender. Aqui não é o caso, mas só queremos olhar para dentro e ver o que temos de melhorar, acreditando sempre no nosso trabalho. E, claro, ter grande ambição diária e encarar cada jogo como uma oportunidade de vencer.

R — É adepto dos “mind games”. já os utilizou com os seus jogadores neste primeiros dias?

RV — Hoje um treinador tem de ter uma série de valências… A parte mental e a necessidade de perceber como é que os outros podem funcionar faz parte do nosso trabalho, mas não vejo isso como a coisa mais importante do Mundo.

R— Chegou a utilizar vídeos motivacionais antes de jogos importantes. E um método a repetir?

RV — O que fiz no passado talvez já não tivesse a mesma eficácia se voltasse a fazer hoje. Aquilo que o treinador hoje tem de fazer é… sentir! Sentir o que se está a passar com os seus jogadores, sentir como está o grupo e atuar a cada momento. Quantos mais vídeos motivacionais um treinador mostrar aos jogadores, menos efeito eles vão tendo. Como não gosto de verdades absolutas e gosto de estar sempre alerta, a tentar perceber o que está a acontecer, pode ser tão importante um vídeo motivacional como atirar moedas para o chão e explicar aos jogadores, através delas, as movimentações táticas que pretendo.

R— Então, se calhar, também já não faria sentido atrasar o autocarro para que os seus jogadores não sentissem o fervor dos adeptos do adversário, como fez na final da Taça entre o Vitória de Guimarães e o Benfica.

RV – Lá está, naquele contexto do Vitória, em que tinha 7 ou 8 jogadores abaixo dos 21 ou 22 anos, achei importante fazer isso. Era uma forma de protegê-los. Estando no Benfica, com jogadores muito mais experientes, a decisão poderia ser exatamente ao contrário… É sempre o contexto que deve determinar.

R — Em Guimarães passava uma imagem “low profile” no banco. É o que podem esperar de si na Luz?

RV- Até nesse aspeto eu acho que nós, treinadores, podemos ter um efeito sobre os jogadores, dependendo se estamos mais ou menos ativos. Uma postura mais tranquila pode provocar um determinado resultado nos atletas. Mas lembro-me de alguns jogos em que as pessoas me viram mais agitado e ficaram surpreendidas. Há razões para as coisas serem de uma maneira ou de outras. Muitas vezes é o próprio jogo que nos conduz a isso, mas, por outro lado, também é preciso analisar e perceber de que é que, naquele momento, os jogadores mais precisam.

R — Mas nunca o vimos exaltado a falar para dentro do campo…

RV — Tenho uma grande preocupação em respeitar toda a gente. Isso tenho. Se isso é ser “low profile”, então eu sou. Faço questão de respeitar todos os agentes do jogo. Os meus jogadores, os adversários, os árbitros, os treinadores adversários, todos! Ser mais ou menos agitado, mais ou menos comunicativo, isso tem a ver com outras coisas. Por exemplo, basta haver um jogador que não fale a minha língua, e que esteja junto à linha, para eu ser obrigado a gritar para o meio do campo. Se estiver perto de mim alguém com quem eu possa falar facilmente, então é com esse que eu falo calmamente, sem grande exuberância: “Olha, diz ao teu colega que faça não sei quê, senão daqui a bocado está cá fora”. Se isso não for possível, então, como é óbvio, tenho de ser eu a gritar. No Vitória, por acaso, tinha sempre ali perto de mim o Bruno Gaspar ou o Moreno. Eram bons elos de ligação, que facilitavam bastante as coisas.

R – Fale-nos um pouco sobre os treinadores que o acompanharam nesta viagem de Guimarães para Lisboa. O que é que cada um faz e quais as suas reais tarefas dentro da estrutura?

RV – O Arnaldo Teixeira tem sido o meu braço-direito desde que fomos orientar o Fátima. Tivemos sempre uma boa relação do ponto de vista pessoal e ele tem várias missões, que agora também não quero aprofundar. É o meu apoio, mas até numa área mais particular. Conhece-me perfeitamente, sabe quando eu estou a olhar para a mosca, como ele diz. Sabe sempre o que estou a pensar. O Sérgio Botelho foi meu jogador em Fátima e resolvemos puxá-lo para a equipa técnica. É muito bom e começou a especializar-se na análise da nossa equipa e do adversário. Faz o trabalho mais de vídeo, mas sempre analisando do ponto de vista qualitativo. Sabe quais são as minhas ideias e filtra-me aquilo que fizemos bem ou menos bem. O Paulo Mourão é um fisiologista por excelência. Está sempre a coordenar, do ponto de vista fisiológico, aquilo que é o meu processo de treino. Depois temos o Pietra que tem uma função especifica e que também não queria estar a revelar. O Hugo Oliveira trabalha com os guarda-redes, como se sabe. Depois há ainda o Bruno Mendes, que faz a ponte entre a equipa técnica e aquilo que se faz no Benfica LAB, e o Marco Pedroso, que é responsável pela análise e observação e que nos reporta essa informação. É uma subequipa que trabalha para nós.

R — Qual é a importância do Lourenço Pereira Coelho na sua equipa. Parece que vive um pouco na sombra, mas foi das primeiras pessoas com quem falou no Benfica…

RV — Por viver mais na sombra, não interessa muito falar sobre as suas funções. Porque, ao contrário do que se pensa, as estruturas não são boas quando são muito visíveis. As estruturas são boas quando estão presentes nos momentos necessários. E um exemplo disso é a função do diretor-geral. Não precisa de ter uma bandeira com o seu nome e a dizer o que faz, porque o essencial é que as coisas estejam organizadas e rolem sem grandes ondas. E nesta fase do trabalho o maior elogio que posso dar ao Lourenço Pereira Coelho é mesmo esse: é alguém que supervisiona todo o trabalho para que as coisas funcionem dentro de um padrão que rege a equipa profissional de futebol. E isso tem sido executado na plenitude, diariamente, no Benfica.

R – Afinal, os oito anos de Maxi Pereira no Benfica parecem não ter pesado…

RV — Sei que ainda não respondeu à proposta e não quero dizer muito mais. Sempre pensei, sinceramente, que os oito anos teriam impacto na decisão. É a vida. O Benfica é grande de mais e se ele não vier teremos soluções para estar a competir ao mais alto nível. Se ficar, é um dos nossos. Se não ficar, deixa de ser problema nosso.

R – E já há soluções?

RV — Estamos a trabalhar nisso.

R – Mas serão só internas?

RV — Vamos ver. Mas com o que temos internamente estou satisfeito, temos soluções.

R — A Supertaça é o primeiro jogo da temporada. Pode haver o risco, até pelas circunstâncias especiais em que vai decorrer o jogo, de depressão em caso de mau resultado ou de euforia excessiva em caso de vitória?

RV — São situações que podem acontecer num primeiro jogo, mas acho que, pelo que me é dado a conhecer dos jogadores e pela minha forma de estar, nada nos vai afetar, seja qual for a situação. Queremos muito vencer, como o Sporting também quererá. Vai ser um jogo interessante. Mas há muito trabalho pela frente para fazer. Gosto de ser muito frio. É um primeiro jogo, é um troféu que está em disputa. Nada mais do que isso. Depois há muito trabalho a realizar. Não quero ganhar em agosto e não ganhar em maio. Se puder ganhar o ano inteiro, é o que vamos à procura. O nosso foco vai ser o próximo treino, o próximo jogo e nada mais. Temos de apontar todas as energias para o próximo momento. A Supertaça é o jogo seguinte e é aí que estamos focados.

R— O Benfica começa o campeonato na Luz, diante do Estoril. Agrada-lhe poder começar em casa?

RV — O Benfica terá de jogar com todos. Noutros contextos, pelos quais já passei, se calhar faria uma ginástica um pouco diferente para ver quando defrontaria determinados adversários. Isso aqui não me preocupa. Gosto de jogar em casa no primeiro jogo. Vão estar muitos adeptos do Benfica presentes, certamente, e é isso que, neste momento, me dá mais prazer por ser em casa. Vamos começar com a nossa gente, com os nossos adeptos. Agora, é preciso olhar para cada jogo percebendo as características da outra equipa e enfrentá-lo com uma vontade muito grande de ganhar..

R — Vai ao Dragão na 5 a jornada, já com três jogos realizados na Luz. É uma situação confortável?

RV— Se disser que é demasiado confortável estou a tirar mérito às outras equipas, e a pior coisa que podemos pensar é que o trabalho vai ser mais fácil até jogarmos no Porto. Não vai ser. As equipas têm uma expectativa muito elevada, cada vez se trabalha com mais qualidade em Portugal e só estando no limite conseguiremos ultrapassar esses obstáculos. Sabemos a grandeza e a qualidade do Benfica, mas não vamos desvalorizar nenhum adversário, porque isso pode sair-nos caro. E nem sequer faz parte da minha forma de estar.

R — O primeiro objetivo passa por ser campeão. Sendo assim, qual é o segundo objetivo?

RV — Esta noção de continuarmos líderes, para mim, está muito enraizada. O Benfica joga sempre para vencer, não há outro caminho. Não me parece que exista uma definição de prioridades. Há uma Taça de Portugal, que é importante, e uma Taça da Liga, que estará um pouco mais atrás. Na Liga dos Campeões gostaríamos de traçar a passagem da fase de grupos, a entrada nos oitavos-de-final, como o grande passo. Depois disso está tudo muito condicionado ao sorteio. Esse é um passo importante e vamos focar-nos nele. Não quero colocar limites, porque podíamos olhar para o tricampeonato como um objetivo e… podemos alcançar mais.

R — Teria mais prazer em ganhar uma Taça de Portugal ou fazer uma excelente caminhada na Liga dos Campeões?

RV — São coisas muito diferentes… Eu quero é ganhar! É nisso que penso. Vamos olhar para a Liga como a prioridade e depois é vencer os jogos que apareçam. A minha conceção do futebol passa por olhar sempre para o próximo jogo. Nunca altero isso.

R — Jorge Jesus afirmou recentemente que o Benfica tem unta máquina oleada e que isso pode dar alguma vantagem neste início de época. Isso, de facto, simplifica as coisas?

RV — Não gosto do conceito de máquina, porque dá a sensação que as coisas estão muito mecanizadas. O que posso garantir é que encontrei um clube moderno, muito profissional, organizado e rigoroso, no qual me sinto à vontade e tenho condições para implementar as minhas ideias. Mas também vejo que qualquer dos outros clubes tem os processos e as suas organizações muito avançadas. O Fc Porto porque tem um treinador e um grupo de jogadores que se mantém numa estrutura forte. O Sporting porque tem um lote de jogadores que também trabalham juntos há algum tempo e essa estabilidade deve ser valorizada. Portanto, ninguém tem vantagem sobre ninguém.

R — O Benfica precisa do Rui Vitória ou qualquer treinador arrisca-se hoje a ser campeão no clube?

RV — Acredito que essa podia ser a visão, se não tivesse dito o que disse anteriormente. A partir do momento em que há abertura para implementar as minhas ideias, está tudo dito. Há aspetos que já estão a funcionar na minha cabeça e que vão ser passados à prática. Se calhar há clubes em que isso não é possível, mas aqui há claramente o dedo do treinador a funcionar. E o meu vai funcionar, naturalmente.

R — O seu antecessor disse também que o Benfica parte à frente nessa corrida. Partilha dessa ideia?

RV — Percebo todo esse contexto de comunicação e conversa. Não vejo as coisas por aí. Há coisas muito boas em cada um desses nossos rivais. Um pela estabilidade do clube e pela continuidade do treinador; outro pelo trabalho feito pelos treinadores anteriores, com o lote de jogadores que se vão mantendo de ano para ano… Não posso ver as coisas assim. Agora, não nos podemos esquecer que o Benfica é bicampeão e vai continuar a querer ser líder. Não sei se parte na frente ou atrás, não sou muito dado a percentagens. A não ser quando olho para a posse de bola ou número de remates… Não consigo fazer essa análise, nem quero! Mas diria que os três clubes são candidatos ao título.

R — No dia da apresentação afirmou que queria aproveitar o que de bom foi feito no Benfica. Falava do quê, em termos concretos?

RV — Há a manutenção de um conjunto de jogadores que estão no clube há algum tempo, uma estrutura de equipa do ano anterior; e isso é um contexto importante no futebol atual, onde habitualmente não se conseguem fixar jogadores. Depois há determinados aspetos que temos de aproveitar, como em qualquer equipa. Quem diga o contrário não está a pensar bem. Há efetivamente um espaço em que podemos acrescentar qualquer coisa e nós vamos fazê-lo. Queremos que a equipa continue com os níveis de competitividade que são apanágio do Benfica, mas ao mesmo tempo queremos que o acrescen-to da qualidade seja a que eu idealizo. Todos os treinadores têm uma ideia do seu jogo na cabeça e é essa que queremos passar. Tenho uma mensagem que costumo passar com frequência: quando um treinador e cinco ou seis jogadores pensam da mesma formam é quando o futebol começa a fluir. Muitas vezes estamos no treino, pensamos numa coisa e ela não sai, mas, depois, há um momento em que as coisas começam a acontecer e tudo flui melhor,

R — Já nota isso?

RV — Já noto!

R – Luis Filipe Vieira diz-lhe amanhã que se vai sentar no banco. Autoriza?

RV — (risos) Estamos perfeitamente à vontade um com o outro. Eu faço o meu papel e ele faz o seu. Não há problema por isso.

R — Mas não é uma coisa que se coloca?

RV — Não acredito. O nosso presidente quer é estar tranquilo a observar os jogos, a fazer o seu papel, e nós estamos cá para trabalhar.

R — Mas não via qualquer inconveniente?

RV — Não, nenhum, mas acredito que isso não lhe está a passar pela cabeça.

R – Carcela e Taarabt são os reforços mais sonantes até agora. Com que impressão ficou dos dois jogadores nestes primeiros dias de trabalho?

RV – Estou agradado. São jogadores com culturas diferentes, que estão em adaptação. Mas têm qualidade. Foram “filtrados” até ao ponto em que se passa a ter a certeza de que são jogadores que interessam ao Benfica. Pela idade, pela dimensão futebolística e por aquilo que podem acrescentar à equipa. Na teoria está tudo certo, embora na prática as coisas nem sempre corram bem. Nestes dois casos em concreto, o que posso dizer é que os primeiros sinais são muito positivos. São jogadores de qualidade e a nós compete-nos criar o enquadramento para que possam render aquilo que esperamos.

R – Taarabt tem jogado na posição 10 e à esquerda, partindo daí para o meio. Que situação tem idealizada para ele?

RV – Acho que ele tem características para essas duas posições. São aquelas em que pode render mais. Pode jogar numa faixa, de fora para dentro, com muita capacidade de vir para zonas interiores, como pode estar numa zona central, a pensar o jogo, e a progredir com alguma facilidade. Vejo-o a jogar em qualquer dessas posições. Gosto de jogadores versáteis e ele tem isso.

R – O Taarabt foi acusado, em Inglaterra, de ser mau profissional e de não atingir um nível mais elevado por não se aplicar. Isto preocupa-o?

RV — Em relação às questões mais particulares, nunca gostei — já desde os tempos de escola — de criar expectativas pela cabeça dos outros. Quando às vezes entrávamos para uma sala, havia sempre alguém que dizia: “Aquele é assim, aquele é assado, cuidado com o outro, etc.” Nunca liguei. Primeiro quero ser eu a ver e só depois tirar conclusões. O homem é o homem e a sua circunstância. Se calhar num contexto era uma coisa e aqui vai ser outra. O que eu sei é que, pela forma como o Benfica está organizado, ele terá todas as condições para mostrar a sua qualidade e relançar a carreira. O Adel [Taa-rabt] terá rapidamente de perceber a dimensão do Benfica e a forma como trabalhamos. Isto, atenção, se for verdade que no passado ele teve esse tipo de comportamento, o que desconheço.

R – Se pudesse mudar alguma das leis do jogo, o que alterava?

RV – Neste momento mudava muitas. O futebol é das modalidades que tem mais aversão à mudança. As outras modalidades vão mudando para aumentar a competitividade. Não sei qual, mas fazia várias mudanças. Nos treinadores, nas substituições, nas paragens. Fazia uma reformulação bem grande naquilo que é futebol atualmente.

R – É adepto das novas tecnologias no futebol?

RV – Numa indústria como esta, em que tantos milhões estão em causa e em que alguma decisão importante pode ser tomada em 10 ou 15 segundos, não vejo por que não se possam adotar as novas tecnologias. Sou a favor. Há quem diga que o árbitro é que tem de decidir, mas pode perder-se um título devido a algo que se pode resolver de forma fácil. E um crime não se aproveitar.

R — O presidente do Benfica prometeu dar-lhe as mesmas armas que outros treinadores tiveram. Faltam alguns jogadores para que essa promessa seja cumprida…

RV — O processo é muito complexo, porque não há datas de mercado e quem tem dinheiro é quem manda nestas questões. E tudo pode mudar. Estou muito preocupado em trabalhar com os jogadores que estão cá neste momento, estou muito satisfeito com este grupo. Agora vamos olhar para essa questão também de uma forma segura, tentando controlar o tempo, e sabendo que é importante manter uma espinha dorsal, e depois dar um retoque aqui e ali. Tenho uma ideia há anos, que passa pelo facto de os jogadores valerem “x” quando chegam a nós e quando saem têm de valer “x mais qualquer coisa”. Pode não haver nomes sonantes, mas há muito potencial para desenvolver e é a isso que nos vamos agarrar. Olhamos para isto com calma, porque o Benfica é um exemplo claro disto. O Jonas e o Júlio César chegaram tarde, o Witsel saiu já em setembro, o Javi Garcia também. Os treinadores ficam na expectativa e, enquanto isso acontece e não acontece, vamos trabalhando. O que estou a sentir é que os jogadores estão muito envolvidos, fazem as coisas com prazer; depois vamos ver o que o mercado nos pode dar.

R — Sabendo que existe sempre a possibilidade de recorrer à equipa B, com quantos jogadores quer trabalhar na próxima temporada?

RV — Temos uma baliza de 24 a 26. Eventualmen-te, se entendermos que fará bem a um jogador continuar connosco, podemos alargar aos 27. Não fugiremos muito a isto. Não gosto de trabalhar com plantéis muito extensos, porque entendo que os jogadores têm de estar muito envolvidos e para isso têm de sentir que a oportunidade pode passar. Costumo dizer que a cavalo passa à porta de toda a gente, mais cedo ou mais tarde, e é preciso agarrar as oportunidades. Agora, não há cavalos para todos e por isso é preciso reduzir o plantel q.b., para que todos se sintam motivados e para as oportunidades surgirem. Há dados interessantíssimos sobre isto. O que um atleta rende num plantel, a partir do 16.º/17.° jogador, não é significativo para investimentos de valor muito avultado.

R — Quer dizer que não faz sentido dar 2 ou 3 milhões por um jogador e no final da época ele jogar 200 minutos…

RV — Exato. A ideia é essa. Ao mesmo tempo precisamos de ter toda a gente muito envolvida, e esta meta tem a ver com o que consideramos ser o ideal para o Benfica.

R — Quais são as posições que o Benfica precisa de reforçar?

RV — Ainda podemos ter de olhar para as posições dos corredores laterais à frente e, eventualmente, para a zona do ataque. Mas temos mais que observar o que temos e como podemos valorizá-los do que estar nessa procura obsessiva de jogadores. Primeiro quero ver toda a gente com os meus olhos, que vão ser o filtro desta escolha, e depois, em função disso, tomaremos as decisões que forem necessárias.

R — Objetivamente, com o atual plantel, consegue lutar para ser campeão e não abdicar de uma boa prestação europeia?

RV — Nós somos líderes e queremos continuar! Só há uma forma de pensar, que é continuar a liderar. Convenço-me disso a cada treino que passa. Não sou fundamentalista a dizer que o Benfica é único. Tenho consciência de que vai ser um campeonato disputado, e ainda bem, porque será bom para o futebol português, com três candidatos, como sempre defendi que existem. Vai ser uma luta, é sempre muito difícil dizer o que quer que seja e fazer planos. Há sempre coisas que têm de ser ajustadas, mas somos líderes e queremos continuar a ser. Quero e sinto-me cada vez mais capaz para isso.

R — Nas entrevistas não tem mencionado as referências que tem na profissão…

RV — Não me parece correto estar a dizer nomes de treinadores conhecidos, quando tive técnicos desconhecidos que me ensinaram muito. Tudo aquilo que faço é com base em dois pressupostos: o primeiro é prático, com base na minha vivência; e há outro teórico, que vem da formação académica que tive. Ao longo da minha carreira acabo por virar-me mais para a parte prática. Tive treinadores que trabalhavam mais de forma empírica, com instinto, e outros que adotavam bases mais académicas. Não tive só uma referência. Atualmente, claro que olho para outros treinadores para perceber o que fazem. Não vou dizer que tenho uma referência, porque seria injusto para outros. Alguns deles vocês até nem conhecem.

R — Pode referir alguns dos treinadores que ajudaram à sua aprendizagem?

RV — Mário Wilson, João Amorim, Alberto Bastos Lopes, António Medeiros, António Baguinho, Valdemar Moreira, José Augusto, João Santos, que agora trabalha na estrutura e que foi meu professor; e Rafael Gomes, que também ainda está no Benfica. Armando Gonçalves e José Carlos foram outras duas pessoas importantes.

R — Quando ganhou a Taça de Portugal, uma das imagens que fica é o Rui Vitória a olhar para o céu…

RV — E espero que possa perdurar durante toda a minha carreira.

R— Foi um obrigado aos seus paiss?

RV — Foi. Ainda bem que alguém teve a atenção de apanhar aquela imagem. Foi logo após o jogo terminar. Há uma altura em que os pensamentos se colam, e aquele foi um deles. Os pensamentos dos meus pais e os meus uniram-se. Foi um clique.

R — E uniram-se agora outra vez quando assinou pelo Benfica?

RV — Eles têm estado sempre comigo. Fui um azarado, mas sou um privilegiado. Porque depois de eles falecerem a minha carreira tem sido sempre em progressão. E tenho a certeza que eles estão sempre próximos. Sei que os tenho por perto, estou sempre a trabalhar para eles e lembro-me sempre deles. Há muitas coincidências. Nunca me viram a treinar e a minha carreira tem sido sempre a subir. Cada passo que dou estou sempre com eles.

R – Não tem problema nenhum em falar desse momento?

RV — Adoro falar dos meus pais. Foi um momento de viragem da minha vida e a melhor homenagem que lhes posso fazer é falar deles. Foi um momento-chave, até em termos pessoais, no qual tive de decidir muita coisa. Estava a jogar no Alcochetense, que na altura equipava como o Sporting, com a braçadeira de capitão e o n.°10 nas costas. Falhei um penálti quase no último minuto e terminei a minha carreira assim. Uma semana depois os meus pais morrem. E uma semana depois começo a treinar. A minha mãe preocupava-se muito com o que seria a minha carreira depois de jogar e sempre lhe disse para não se preocupar.

R — Nos últimos anos, o Benfica tem vencido mas consegue, igualmente, fazer encaixes significativos com a venda de jogadores. O Rui Vitória sente-se preparado para, também, potenciar jogadores?

RV — Isso é uma coisa muito natural. Os jogadores que estão na formação do Benfica já estão filtrados e têm muita qualidade. Depois, jogar na primeira equipa é uma montra fantástica. E um altista está sempre condicionado pelo local onde mostra o seu talento. Dou-vos um exemplo. Um violinista atua numa sala de espetáculo com bilhetes caríssimos e é adorado e no outro dia pode ir para o metro tocar a mesma música e já ninguém lhe liga. Isto quer dizer que com qualidade, uma boa montra e um vendedor fantástico, como é o presidente, há condições para acreditar que o Benfica continue na senda de êxitos…

R — Uma vez mais tudo tem que ver com o contexto…

RV — É o contexto e, neste caso, o trabalho do dia-a-dia aliado a uma capacidade negocial fantástica que o nosso presidente tem.

R — Vai abdicar do seu sistema de jogo preferencial, que tem sido o 4x3x3, ou vai moldá-lo ao 4x4x2, sabendo nós que no futebol não há um sistema estanque…

RV — Seria redutor se dissesse que uso só um sistema e já houve treinadores no futebol português que pensaram assim e, se calhar, tiveram problemas. Às vezes somos levados a ter de adotar outra estratégia. A minha equipa tem mecanismos de trabalho para podermos trabalhar com qualquer um dos sistemas. Ninguém vai chegar ao pé de mim e perguntar o que há de fazer quando tiver a bola, seja qual for o sistema. Falar em 4x3x3 apenas seria redutor, e quando houvesse uma necessidade de alternância seria mais complicado trabalhar. A única coisa que sei é que é preciso olhar para o contexto. Há hábitos que estão enraizados e que não se mudam de um dia para o outro. Hoje em dia ninguém pode dizer que os sistemas A ou B são modernos, ou que se ganha mais de uma forma do que de outra. Vamos olhar para o que foi feito, olhar de cima, como se estivesse no topo de uma floresta, e decidir qual a melhor estratégia a implementar. O modelo é muito mais do que o sistema, que no fundo é a disposição táctica, mas há mais coisas que uma equipa tem de ter como suporte. O meu Benfica vai ter umas particularidades diferentes, mas não quero ser taxativo. Se utilizei mais vezes o 4x3x3, foi porque muitas vezes pensei que era o que mais se adaptava, mas se analisarem um pouco o Vitória de Guimarães vão reparar que houve alternâncias tácticas significativas e momentos em que o 4x3x3 não era assim tão claro.

R — Quem é o melhor treinador do Mundo?

RV — É difícil de responder. O José Mourinho tem uma grande qualidade. Não estou a falar do ponto de vista estético. Não se deve fazer uma análise tão redutora. Quem ganha em Portugal, Espanha, Itália e Inglaterra tem de ter muita qualidade. Porque conseguiu olhar para os contextos e ver o que era melhor fazer. E nós somos uns privilegiados. Porque a maioria dos treinadores por essa Europa fora são formatados. O treinador português tem versatilidade para se adaptar aos vários contextos. E nesse aspeto o José Mourinho tem sido o melhor.

R — A melhor equipa que viu jogar até hoje?

RV — Estas últimas do Barcelona foram equipas que gostei muito de ver jogar, com filosofias que me agradam muito.

R — E o melhor jogador que viu jogar até hoje?

RV — Agora temos o Messi e o Cristiano Ronaldo, mas o Maradona era fora do normal. Tocava na bola de forma diferente. Há vários, mas num patamar acima colocava Maradona, Messi e Ronaldo.

R — Inspirava-se em alguém quando era jogador?

RV — Já perceberam que sou um pouco avesso a inspirações. Mas como era médio-centro tentava seguir os jogadores da minha posição com maior atenção. E o Zidane era qualquer coisa de fantástico. Quando a bola vinha, colava e qualquer médio-centro percebia que se tratava de um jogador diferente.

R — Lembra-se do primeiro jogo que viu?

RV — Comecei a ir ao futebol muito cedo. O meu pai levava-me aos jogos das camadas jovens que eram de manhã, vinha a casa almoçar e à tarde ia ver os seniores do Alverca. Ia porque queria. Não me lembro do jogo, mas deve ter sido um do Alverca na Distrital ou na 3.a Divisão frente ao Vilafranquense. Um dérbi.

R — Olhando para a formado e para casos concretos. Acredita, por exemplo, que este possa ser o ano de explosão de Gonçalo Guedes?

RV — Primeiro gostaria de falar da formação num plano geral. Já tive a oportunidade, neste período, de conhecer muito daquilo que é a formação do Benfica, embora já acompanhasse de forma atenta os escalões jovens dos três grandes. Porque há jogadores que podem não encaixar nos três grandes e que são boas soluções para outros clubes. O Ricardo Pereira, por exemplo, saiu dos juniores do Sporting para o Vitória de Guimarães e agora está no FC Porto. Já tive oportunidade de ver os jovens do Benfica e vejo que há matéria-prima. Mas não sou eu que os vou pôr a jogar. É um erro pensar que agora sobem cinco jogadores à equipa principal e que vão jogar todos. Eles sabem isso. E cada jogador da formação tem uma responsabilidade acrescida, tem de provar que há qualidade. Porque se não existir qualidade, não têm hipótese de entrar na primeira equipa.

R — Mas está disposto a dar-lhes oportunidades de treino?

RV — É fundamental dar as mesmas condições e oportunidades aos jovens da formação. Uma coisa é oportunidade para jogar; outra é oportunidade para trabalhar. E o que vamos potenciar é esta igualdade de circunstâncias com os outros jogadores. Por exemplo, é muito provável que o Luisão se treine com o Lindelõf da mesma forma que trabalha com o Jardel. E dar essas oportunidades de trabalho é meio caminho andado para que estes jovens se possam mostrar. Depois, o jogar ou não é outra questão. A responsabilidade da formação vai aumentar, mas queremos apelar à qualidade. Não queria estar a individualizar porque estas questões, como sabem, têm muito impacto nos jovens. Por vezes um jogador marca um golo e faz uma boa exibição e tem logo grande destaque. E, nalguns casos, isso é contraproducente. Quero dizer apenas que os jovens que foram promovidos estão em igualdade de circunstâncias e que há jogadores da equipa B que só não começam já connosco porque temos um lote alarga-do de opções. Mas sempre que houver espaço, vou chamá-los! Não significa que vai ser o Rui Vitória a colocá-los em campo. Se existir trabalho e, acima de tudo, qualidade, então sim, vão ter oportunidades para jogar.

R — Dos seis jovens promovidos, ficam todos no plantei?

RV — Essa questão não está fechada. Cada jogador é um caso diferente e não têm de seguir o mesmo caminho. Para já, estão a trabalhar muito bem, mas ainda temos de decidir se algum pode ter um percurso diferente.

R — Esse pode ser o empréstimo?

RV — Será o percurso que entendermos que é o melhor. Se já esteve emprestado, podemos colocá-lo noutro clube, agora da l Liga. Não estou a dizer que vai acontecer, mas é uma das hipóteses.

R – Sorteio dos árbitros. É a favor?

RV – A mim não faz muita diferença. Temos de acreditar que um árbitro está lá para fazer o seu trabalho, como eu, treinador, também estou. Se estou na 1 Liga é porque tenho qualidade e acredito que os árbitros também devem ter. Parece-me é que alguém que conhece o perfil de um árbitro pode dizer para que jogo é mais adequado. Não tem a ver com o medo ou não. Tem a ver com o perfil para lidar com determinada equipa ou ambiente. Da mesma forma que não sorteio a minha equipa. A escolha obedece a algum critério. Por isso sou mais apologista da nomeação, mas em tudo. Mas se as pessoas decidirem pelo sorteio, respeito.

R – É a favor da proibição de os jogadores emprestados jogarem contra a equipa com a qual tem contrato?

RV – Neste contexto, sim, porque acaba-se com uma questão que parecia ser complicada para todos. Todos sabiam que os jogadores eram emprestados, por vezes até eram os clubes que lhes pagavam o ordenado, e assim resolve-se o problema. Fica em pratos limpos. Deixa de haver problemas para treinadores, jogadores e clubes.

R – Diz que gosta de ter uma relação próxima com os jogadores. Essa proximidade não se pode tomar perigosa?

RV – Defendo sempre que por detrás de um profissional está sempre um ser humano. E para entender o jogador não posso olhar apenas para aquilo que ele faz no treino e nos jogos. Tenho de tentar compreendê-lo também como pessoa. Para mim isso é claro. E isso não quer dizer que não seja exigente ou que me torne condescendente com os jogadores. Penso é que se entendendo o ser humano consigo, a partir disso, tirar melhor rendimento dos jogadores. Já a questão da proximidade é diferente e depende da minha equipa técnica. Por norma, prefiro estar numa posição um pouco mais externa, para que depois seja mais fácil entrar no grupo quando é preciso. Se estiver muito dentro do grupo, torna-se mais difícil. Tenho na equipa técnica pessoas que estão mais viradas para essas funções. Por exemplo, hoje já posso dizer que conheço os jogadores, as suas famílias, os filhos, os seus nomes. É importante. Em suma, tenho esta proximidade de conhecimento mas não tenho a mesma proximidade quanto ao relacionamento.

R – Essa profundidade de conhecimento em relação aos jogadores pode ser importante quando tem de tomar alguma decisão?

RV — Pode. Os jogadores não são máquinas, são seres humanos. As vezes tocamos numa campainha e encontramos uma resposta para uma questão que estávamos a tentar resolver há algum tempo. Este entendimento e proximidade podem fazer a diferença em certos momentos. Não quer dizer que seja muito descontraído, significa apenas que somos preocupados e conhecemos todos os pormenores que podemos tocar.

R-Como é a sua relação com Luís Filipe Vieira?

RV – Falo com ele quando tenho que falar tal como o presidente faz comigo. Não estamos constantemente a ligar um para o outro, mas também não temos uma relação afastada. Resolvemos as questões que existem e temos um relacionamento muito fluído. Há empatia, e com a minha forma de ser isso é essencial. Costumo dizer que não quero ter os melhores do Mundo a trabalhar comigo. Quero apenas ter aqueles que são os melhores para mim, na minha forma de ver as coisas. E que tenham uma grande empatia comigo. Por exemplo, não me interessa ter o melhor do Mundo a trabalhar ao meu lado e depois as coisas não funcionarem. Como é óbvio, no caso do presidente isso não se aplica porque eu não escolho o presidente. Mas existe, de facto, uma grande empatia.

R – E com a sua equipa técnica também existe essa empatia, presumo.

RV – É tudo muito natural. Parece que estamos aqui há uma série de anos.

R – E na forma de trabalhar do Rui Vitória há espaço para ouvir os jogadores? Em questões táticas, por exemplo?

RV – Há, quando tem de haver. É normal chegar perto de um jogador e dizer que daqui a pouco vou falar com o grupo para ver a forma como estão a sentir o próximo jogo. Os jogadores dão a sua opinião. Mas isto não quer dizer que me desvie das ideias que tenho. Por vezes, a opinião deles até pode reforçar ainda mais as minhas ideias. Depende sempre da visão do jogador. Nas questões da liderança, envolver as pessoas nos processos de decisão faz com que elas consigam dar um pouco mais. Vou dar um exemplo. Todos já foram de táxi para um determinado local. E quando assim é, normalmente, as pessoas não decoram o caminho que fizeram. Mas se levarmos o carro, já temos de pensar por nós próprios e ver o caminho que queremos escolher. A ideia é um bocado essa. As coisas não podem ser robotizadas. E envolver as pessoas nos processos faz também com que tenham mais motivação. Aqui no Benfica não quero que haja só um caminho, gostava também que existisse partilha de conhecimentos.

R – O Benfica vai estar quase 20 dias fora de Portugal nesta pré-temporada. Qual é a sua opinião?

RV — As grandes equipas são convidadas para os grandes torneios, e cada vez mais o futebol moderno passa por estes torneios de início ou fim de temporada. Fico feliz por Benfica ter sido convidado, significa que é um clube de dimensão mundial, e isso deve deixar-nos orgulhosos. Vamos ter oportunidade de estar junto das nossas comunidades de emigrantes, nomeadamente em Toronto e Newark, e isso também é importante para nós. Às vezes desgastamo-nos com algumas coisas de forma inútil. Vejo sempre estas coisas pelo lado positivo: será um tempo em que vamos estar mais tempo próximos uns dos outros.

R – E o clube sai beneficiado com a imagem internacional…

RV – Servirá, naturalmente, para o Benfica reforçar a visibilidade internacional e, portanto, não há nada a lamentar. A própria logística e a organização de uma pré-época destas obrigam a que toda a gente, no clube, esteja no máximo do seu rendimento. E eu já percebi que o Benfica, neste campo, está muitíssimo bem preparado. No nosso caso, para esta viagem que aí vem, é preciso lembrar que, além do fuso horário, vamos competir em altitude significativa, no México, e em cidades com muita humidade e altos níveis de poluição. O que eu vejo, felizmente, é que os nossos departamentos estão a trabalhar muito bem na preparação desta pré-temporada. Portanto, sendo assim, vai tudo correr bem.

«360S ajuda a potenciar talento»

R – Vai potenciar mais a 360S?

RV – A 360S tem como objetivo aperfeiçoar alguns aspetos do ponta de vista técnico dos jogadores. Não ensina uma equipa de futebol a jogar, mas serve para que os futebolistas possam melhorar. ou para um trabalho complementar de determinado jogador. Tenho a noção de que não decide campeonatos, mas ajuda a valorizar e a potenciar o talento dos jogadores.

R – Além do futebol, segue alguma outra modalidade com atenção?

RV – Não sigo nenhuma com muita atenção, embora esteja atento ao fenómeno desportivo. Ás vezes falo com colegas e não gosto de quem se mete no futebol e não tem apetência para isso. Da mesma forma que eu também não vou treinar hóquei patins ou basquetebol. Sei as regras, mas não tenho a sensibilidade para a modalidade. Vejo, mas não aprofundo. O futebol consome-me a maioria do tempo.

R – Já foi professor, escreveu um livro, é treinador e até toca bateria. Há mais alguma coisa que ainda queira fazer?

RV – Fiz isso porque é o que sei fazer. O meu irmão era muito versátil, eu não. Estudava e jogava futebol. Depois fui dar aulas e treinar. A bateria é um hobby e aparece aqui como uma brincadeira.

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