Futeboltop

Vieira: “O Benfica não tem pontas-de-lança e é importante dar aos nossos treinadores aquilo de que eles precisam”

PUB

Bola Branca termina o trabalho “Caixa de Campeões” com uma entrevista ao principal responsável pelo sucesso da formação do Benfica, o presidente Luís Filipe Vieira.

O dirigente encarnado encoraja os rivais a apostar na formação, com o exemplo do Benfica, analisa a espinha dorsal do clube nas seleções portuguesas e garante que o 37.º título nacional foi um dos mais saborosos pela aposta nos jogadores e no treinador “made in Seixal”.[expander_maker id=”1″ more=”CONTINUAR A LER” less=”Read less”] É preciso perceber como é que este sonho de apostar na formação surgiu. Porquê a “fixação” e aposta tão grande que o Benfica faz para potenciar jovens jogadores?

Advertisement

Tem muito a ver com aquilo que o Benfica era quando eu era jovem. Quando começámos a pensar fazer o centro do estágio do Seixal não fazia sentido algum que o Benfica, ao investir da maneira que ia investir, que um dia mais tarde não viesse a ter o corolário daquilo que era um sonho, que era voltar a ter um Benfica com jogadores do Benfica. Ou seja, aquilo que eu chamo “made in Seixal”.

Esse sonho foi concretizado. As pessoas às vezes especulam muito, porque não acreditam no que se faz com alguma estratégia, planeamento, e que visa criar condições ao Benfica para no futuro possuir esses jogadores. É lógico que o Benfica, se os tem dentro de casa, e são jogadores cobiçados, é lógico que tem de criar espaço para eles competirem e o espaço é na primeira equipa. O Benfica não tem medo de o fazer.

O objetivo não é formar para vender, é formar para criar uma identidade da equipa principal?

Nunca me passou pela cabeça formar para vender. O que as pessoas especulam é que houve um período em que tivemos determinados jogadores que poderiam ter a mesma oportunidade de entrar na equipa. Também para não estarmos a especular sobre treinadores, há aqueles que têm mais vocação para jovens e outros menos, mas também tínhamos um plantel muito vasto naquela altura e, se calhar, a estratégia foi, e acho que foi bem pensada, dar a conhecer o que é que produzimos no Seixal, como o Bernardo Silva, João Cancelo, Hélder Costa e Ivan Cavaleiro.

Pub

Foi uma boa oportunidade de mostrarmos ao mundo do futebol o que era a formação do Benfica. Eles abriram essas portas a outros que se seguiram, mas com a entrada do Rui Vitória houve uma mudança de paradigma. A ideia é minha e naquela altura entendi que era ali que tínhamos que começar a apostar. Não foi uma questão de teimosia, foi acreditar naquilo que se faz e eu acredito muito naquilo que sou capaz de fazer, ou naquilo que me proponho fazer. Hoje é uma realidade e, felizmente, conseguimos fazer isso este ano.

Muita gente pensava que, com a pujança que o Luís Filipe Vieira e os elementos da sua equipa deram a este Benfica, seria mais fácil estar a comprar do que estar a investir na incerteza da formação?

As pessoas, às vezes, são muito injustas, porque mesmo quando tivemos que vender a prioridade para o clube desde que eu cheguei foi recuperar a credibilidade do Benfica. Isso para mim foi o maior titulo que o Benfica recebeu até hoje, a credibilidade. Não vou permitir que alguma vez que se ponha em causa a credibilidade do Benfica. Esse é o maior título do Benfica neste momento, é o clube em que toda a gente quer trabalhar e a que toda a gente quer vender.

É sinal de que tem uma credibilidade que não tinha há 19 anos, quando cheguei. Não posso esquecer que até para comprar aparelhos de enfermagem tinha de pagar a pronto ou com um cheque visado. Se quisesse levar a equipa do Benfica para o hotel tinha de levar um cheque visado, e assim sucessivamente. Isso não vou viver mais. As pessoas não conhecem minimamente o que é que se passou há 19 anos. Eu é que tive de andar extrato a extrato de conta a liquidar e a negociar com todos os fornecedores tudo o que o Benfica devia. Felizmente, pagámos a toda a gente. Hoje estamos na pujança que estamos graças ao trabalho e àquilo que nos impusemos a nós próprios, que era recuperar a marca Benfica e voltar a ter um Benfica pujante, que é aquilo que mais me preocupa.

Aos mais céticos: é melhor formar do que comprar?
É. O Benfica tem sempre de comprar, porque há posições para as quais não consegue, neste momento, ainda produzir. Mas posso já adiantar que o Benfica não vai comprar laterais. Não vale a pena as pessoas estarem a dizer que não temos laterais. Os futuros laterais do Benfica estão dentro do clube. No meio-campo acho que o Benfica não tem necessidade de comprar jogadores. Mas o Benfica não tem pontas-de-lança e é importante dar aos nossos treinadores aquilo de que eles precisam, se nos mostrarem que os que temos não têm essa competência. A grande maioria dos jovens que estão no Seixal têm competência para estar na primeira equipa do Benfica.

Olhemos para o futebol a nível europeu. Quando olha para as principais ligas europeias e vê os jogadores formados no Benfica, com o Nélson Semedo campeão em Espanha, o Renato Sanches campeão na Alemanha, o Bernardo Silva campeão em Inglaterra e o João Cancelo em Itália, o que é que pensa?

Qualquer um de nós tem de ter orgulho, porque se eles saíram, de certeza que era numa altura em que as finanças do Benfica também precisavam. Mas eles também estão felizes, de certeza.

O caminho está certo?

Está certo, eles próprios reconhecem isso. Não nos podemos esquecer de duas coisas importantes: por muita paixão que estes jogadores tenham pelo Benfica, e têm, porque não há um jogador que diga mal do Benfica e todos sonham voltar, temos de entender que eles são profissionais e os números que se falam dentro do Benfica e os números que se podem falar lá fora são completamente diferentes. E o Benfica não pode “cortar as pernas” a ninguém.

A fórmula que o Benfica criou na sua formação veio demonstrar que optou pelo caminho certo? Os grandes clubes europeus estão atentos aos jogadores formados no Benfica, vão buscá-los e com estes jogadores conseguem serem campeões. É a prova de que a estratégia desenhada pela Benfica faz sentido e dá sucesso?

A estratégia que existe no Benfica deve ser replicada pelos outros clubes portugueses. Não faz sentido o investimento feito por determinados clubes em Portugal, que têm sucesso desportivo, se esses jogadores não tiverem acesso a competir nas suas equipas. Um desses clubes, recentemente, ganhou a Youth League.

Com o investimento que o Benfica faz, quando chegamos ao oitavo, nono ou décimo ano de formar jogadores já não perdemos oportunidades. A entrada do Rui Vitória acontece precisamente na altura desta mudança de paradigma. A partir daí, o Benfica não dará um passo atrás. Aqueles que tinham dúvida disso têm de entender que é possível ter resultados financeiros e desportivos. Há muita gente que pensa que é fácil ganhar, mas não é.

Custa muito ganhar, é preciso muito e não quero dizer que, quando se ganha, que já estamos lá. A próxima época vai ser muito mais difícil para nós. Temos de entender que há outros competidores em Portugal e eles também querem ganhar. Nós queremos a hegemonia, mas não quer dizer que vamos consegui-la sempre. Queremos tê-la com a base estruturada em jogadores produzidos no Caixa Futebol Campus.

É bom ganhar assim? Chega ao fim do campeonato, foi campeão e olha para o plantel e tem muitos jogadores de formação, e fecha os últimos jogos do campeonato com tantos jogadores da formação como titulares.

É. Dá-me um sentimento muito especial provar às pessoas que não era teimoso, que afinal estava dentro da razão. Também nos jogadores sinto uma felicidade enorme, que afinal há um clube em Portugal que dá espaço para eles competirem e onde podem singrar definitivamente na sua profissão.

Esse é o nosso modelo. Posso dizer-lhe que foi o campeonato que mais gozo me deu conquistar, por tudo o que vivemos e também pelo treinador que foi, que é também formado no Benfica. Há seis anos disse que a maioria dos jogadores do Benfica estariam na seleção portuguesa no futuro e é o que está a suceder. Chamaram-me de populista, mas não foi nada de populismo, nem demagogia. Foi acreditar no que se faz dentro de casa. Não lhe vou esconder que há uma ligação muito especial do Seixal comigo e vou criar um ênfase muito maior. Já tenho gabinete no Seixal para estar mais perto.

O sucesso do Benfica passa precisamente pelo Seixal. Vamos ver o que é que é preciso de fora. Numa ou noutra posição, se calhar, não será preciso fazer nada, estão dentro de casa e só precisamos de dar oportunidade.

Hoje em dia, a seleção, desde a formação até à seleção principal, tem muitos jogadores do Benfica. A Liga das Nações conquistada por Portugal teve 11 jogadores que passaram pelo clube. É bom olhar para o topo da pirâmide e ver que o trabalho mistura-se na seleção?

Foram nove formados no Benfica e mais dois que passaram pelo clube. E mais alguns que estão a chegar. É um trabalho importante, é uma estratégia que começou connosco e é importante para clubes iguais a nós.

O sucesso passa por aqui, financeiro e desportivo. O que está em causa é o futebol português. A Liga e Federação têm de pensar bem no futuro. É só ver a regra dos empréstimos: não podemos proibir os atletas de competir em Portugal. Temos de criar condições para os jovens aparecerem noutros clubes. Os empréstimos são necessários. As equipas em Portugal precisam de ter uma postura séria na Europa e pode passar muito por estes jovens. O FC Porto, Sporting, Braga e Vitória de Guimarães estão a formar e os outros vão começar também. Para mim dá-me um gozo muito grande. Terá tendência para aumentar, com muitos a aparecer.

Seleção tem futuro garantido?

Tem. Às vezes é preciso ter coragem. O caso do Rúben Dias, por exemplo. Na altura, estávamos para comprar um central, alguém disse que não era preciso, porque tínhamos centrais em casa.

O Rúben teve oportunidade de ser lançado, não entrou logo, mas quando entrou, acabou. Hoje é titular indiscutível do Benfica, da seleção e é uma referência de centrais na Europa. Não falo só no Benfica, mas noutros clubes também. É preciso deixá-los competir.

Acredita que um jogador formado no Benfica possa vir a ser Bola de Ouro num futuro próximo?

Por que não? Pode acontecer com o João Félix. É um jovem muito bem estruturado. Com 19 anos e com o assédio que tem tido, mantém-se igual, na forma de vestir e conviver. Não se deslumbrou. Tem um futuro longo pela frente e será de topo mundial, será uma referência, não tenho dúvidas nenhumas.

Seria importante para si? Acha que será o sucessor de Cristiano Ronaldo?

Mais para o futebol português do que para mim. Não sei se será o sucessor do Cristiano Ronaldo, mas que tem condições para ser de topo mundial, isso tem, como já é o Bernardo Silva.

Para terminar, depois do sucesso de Bruno Lage, quando precisar de um treinador no futuro, ligará primeiro para alguém no Seixal, antes de pensar no mercado externo?

Há um presidente que sabe que o Bruno poderia vir a ser o treinador do Benfica, que é o António Silva Campos [Rio Ave]. Pediu-mo emprestado e eu disse que não, porque poderia vir a ser treinador do Benfica.

Pela forma como temos formado treinadores, não sei por que não. No dia em que o Lage tenha de sair do Benfica, que seja outro “Lage” formado no Seixal. Vou olhar para dentro, sem dúvida nenhuma.

Acho que o Bruno estará muitos anos no Benfica. Não sei até quando é que eu estarei, mas se estiver cá, vou olhar para dentro. Vamos continuar a formar treinadores, independentemente de alguns poderem sair para outros horizontes, como tem acontecido.

[/expander_maker]
Comentários

Advertisement
Botão Voltar ao Topo
Virou moda no Benfica