Entrevista completa do Record a Luís Filipe Vieira
Quer o futebol português unido e reitera o apoio a Luís Duque na Liga, aborda a atualidade benfiquista sem muitos rodeios e fala num “tri” que está pedido ao treinador. Aos 66 anos, diz que tem muito para construir
RECORD – Rui Vitória tem sido o treinador de que estava à espera?
LUIS FILIPE VIEIRA – Vou dizer algo que vai parecer demagógico, mas até agora superou as expectativas que tinha. Já o conhecia, passou por aqui num tempo bem diferente do atual, mas sinceramente está num patamar acima daquilo que esperava, e creio que vamos poder ver isso dentro de campo.
R – Foi a sua primeira opção?
LFV – Foi. E acho que nos anos em que esteve fora do Benfica ganhou o direito a ter esta oportunidade.
R- Mas não houve outras opções em cima da mesa?
LFV – Rui Vitória fazia parte de um grupo restrito de treinadores cujo trabalho acompanho há vários anos. Ele é aquele que sempre senti estar melhor preparado para vir a ser o melhor treinador para o Benfica, atendendo à vontade que tínhamos de apostar mais nos talentos que produzimos na nossa casa, sem alterar a ambição que ternos de revalidar o título.
R – Foi contratado para potenciar a formação?
LFV – Foi contratado por ser competente, por ter provado que tinha capacidades de chegar aqui e, acima de tudo, foi contratado para ganhar. A formação parece que é um bicho de sete cabeças para muita gente. Mas por que razão não podemos ter os melhores da nossa formação a trabalhar, a crescer e a ajudar a nossa equipa profissional? Eles só podem crescer jogando e errando. Se tiverem e demonstrarem capacidade, vão ter a oportunidade de mostrar que merecem estar no plantel principal. Isso não significa que vamos entrar a jogar com três ou cinco jogadores na equipa titular. Tudo tem o seu tempo e o seu equilíbrio.
«Custou-me muito ver a lesão de Salvio»
R – Salvio é um caso raro no futebol. Lesionou-se em dois anos seguidos, inviabilizando possíveis vendas. Independentemente da vertente financeira, custou-lhe ver o desportista naquela situação?
LFV – Como homem, e conhecendo o caráter do Salvio, custou-me muito, muito mesmo, ver a lesão dele. Nem estou a falar de interesses económicos do Benfica e do jogador. Sou muito
amigo do Salvio e custou-me imenso, porque não merecia. Mas ele é um guerreiro, um homem com H grande e tenho a noção exata que vai recuperar a 100%, o mais rapidamente possível. A pujança dele vai aparecer e vamos ver se Deus estará com ele. Ninguém merece, mas ele muito menos. Além do fator humano, é um grande profissional e gosta de estar no Benfica. A última lesão é dos momentos tristes da última época.
R – O objetivo para a temporada 2015/16 continua a ser ganhar o campeonato, conquistar o tri?
LFV – Sem dúvida, temos essa ambição.
R – A prioridade é o tri, mas Rui Vitória falou também no objetivo de passar aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Este desejo é partilhado pelo presidente?
LFV – A prioridade já assumida por todos é o tri. Na Champions, passar a fase de grupos é o primeiro objetivo; depois disso, quer o Rui Vitória, quer todos nós, ambicionamos ir o mais longe que pudermos, mas vamos pensar num passo de cada vez.
R – Prometeu a Rui Vitória as mesmas armas que deu a outros treinadores, mas isso ainda não aconteceu. Quando vai contratar reforços?
LFV – Não é uma questão de armas. Vamos analisar objetivamente. Quem saiu? O Maxi. E depois temos o Salvio lesionado. De resto, a base da equipa bicampeã está cá toda. Entraram alguns jogadores, com os quais o Rui Vitória deve estar bastante feliz. Mas depois de a pré-temporada estar completa, veremos. Se aparecer alguma grande oportunidade, nunca diremos nunca. Nunca está fechado. Agora, é um facto que 90% da equipa que foi bicampeã está no clube; portanto, não consigo perceber quais são as alterações que temos de fazer.
«Só temos a ganhar com a Champions Cup»
R – Não será um risco maior para Rui Vitória, e para o clube, um torneio de pré-época longo e frente a equipas de topo da Europa?
LFV – Esses torneios são de risco para o PSG, Chelsea, Real Madrid, Barcelona, Roma, Arsenal? E podia continuar por aí fora. O futebol moderno obriga os grandes clubes a participar em torneios com esta dimensão. Não ficaremos diminuídos por participarmos na Champions Cup. Pelo contrário, a nível de marca e de projeção internacional só temos a ganhar.
«Saídas de Gaitán e Jonas? Nada é definitivo»
R – E em termos de saídas? O plantel está fechado? Falou-se muito da saída do Gaitán e do Jonas, mas eles continuam cá. É definitivo?
LFV – Enquanto a janela de transferências estiver aberta, nunca nada é definitivo. Também é verdade que durante esta janela de transferências há sempre muita especulação, em alguns casos há fundamento, em outros não há.
R – E em relação a estes jogadores, houve fundamento?
LFV – Houve, mas continuam cá, e creio que estão motivados a continuar, mas, como disse atrás, enquanto não fechar a janela de transferências, nada é garantido.
R – Mas o Gaitán, se ficar, tem uma promessa de saída em janeiro ou dentro de um ano?
LFV – Não há promessa de nada. O Gaitán está a ser cobiçado, isso posso confirmar. Mas também posso garantir que o jogador só sairá se for benéfico para o clube e para ele. Por outro lado, se o Gaitán ficar, fica muito bem, motivado e com a mesma ambição de sempre. É a única garantia que tenho.
AS VENDAS DE JOVENS DA FORMAÇÃO PARA A EUROPA
«15 milhões? Quem compra sabe o talento»
R — Como consegue explicar as vendas de “miúdos” que mal jogaram na equipa principal do Benfica por 15 milhões? Casos do João Cancelo, Bernardo Silva ou Ivan Cavaleiro…
LFV — Porque são jogadores com talento e potencial. Quem compra, sabe que está a investir em jogadores com um talento acima da média.
R — Mas que podem não vira corresponder às expectativas e ao valor investido…
LFV — Mas também podem superar essas mesmas expectativas e valer muito mais do que o valor investido. Quem compra, investe num projeto de futuro, assumindo naturalmente o risco.
R— Bernardo Silva, por exemplo, vai valer muito mais do que os 15 milhões?
LFV — Espero que sim! Espero que todos os nossos jogadores tenham sucesso e valham muito mais daqui a poucos anos, porque isso será sinal de que a nossa formação tem valor; e que o Seixal continuará a estar entre os centros de formação que os grandes clubes europeus mais acompanham.
R — A menor aposta na formação foi uma das lacunas de Jorge Jesus no Benfica?
LFV — Não vou abrir um capítulo que para mim está fechado. Não preciso sequer de responder a essa pergunta. O facto de todos estes miúdos terem saído tão cedo é resposta suficiente.
R — Fala de jogadores da formação vendidos por 15 milhões, mas não tem pena, como presidente de um clube, de não retirar dividendos desportivos deles? Por exemplo, de Bernardo Silva?
LFV — Pior seria, não conseguindo aproveitá-los do ponto de vista desportivo, também não os conseguir rentabilizar do ponto de vista financeiro. Isso sim seria mau. É evidente que jogadores como o Bernardo poderiam ter sido aproveitados de outra forma, mas não vale a pena olhar para trás. Felizmente temos muitas jovens promessas no Seixal e uma perspetiva diferente do ponto de vista de oportunidades.
R — Mas vai reforçar algumas posições, ou não? A do Maxi Pereira, por exemplo..
LFV — A opção está tratada. Não sou treinador, mas quem olhar para o plantel do Benfica sabe perfeitamente que essa posição está salvaguardada. E, sinceramente, acredito nas soluções.
R — Além do lateral direito, há mais alguma posição que possa merecer atenção especial e ser reforçada?
LFV — Nao vou falar em “além do lateral-direito”, porque essa posição de certeza que não vai ser mexida! Temos o Sílvio, o André Almeida, o Nelson Semedo…
R — Então, que posições podem ter reforços?
LFV— Isso é o treinador que vai dizer, após a pré-época. Não sou eu. Agora, se já disse que o Benfica tem 90% da equipa bicampeã, não vejo motivos para ter muitos reforços. Se é apenas para ter nomes sonantes, não estamos disponíveis.
R — Júlio Cessar, Jonas, Salvio, Lima e Jardel são jogadores que estão a discutir as respetivas renovações. Como estão estes processos?
LFV — Penso que até final de agosto fica tudo resolvido. Posso dizer que 70 a 80 por cento esta já acordado.
R — A famosa “estrutura” de que já muita gente falou… Com essa estrutura, qualquer treinador que chegue ao clube arrisca-se a ser campeão?
LFV — Prefiro falar de organização e não de estrutura. A organização existe para ajudar a equipa técnica a ganhar, mas não se substitui a ela. A organização suporta aquilo que são as exigências do treinador, mas é o treinador quem tem de conduzir a equipa, sobre isso não há nenhuma dúvida. O FC Porto deixou de ter a tal estrutura competente que todos lhe reconheciam? Não, e no entanto há dois anos que não ganha. O papel do treinador é fundamental.
R — Mas afinal quando falamos desta estrutura ou, se quiser, organização, estamos a falar de quê?
LFV — De um grupo de pessoas que são especialistas em áreas especificas e que trabalham de forma coordenada com o único objetivo de ajudar as equipas que apoiam, futebol ou modalidades, a ganhar. Esta organização assenta numa série de processos, na procura diária por inovar, por encontrar as melhores soluções para cada necessidade, no permanente desafio de melhorar. No fundo, é uma equipa que trabalha de forma solidária, coordenada e com um enorme grau de rigor e exigência. O LAB, por exemplo, tem várias valências, desde a observação de jogadores à análise de jogos, passando pela prevenção de lesões; tudo isso nos ajuda a estar mais perto de concretizar os nossos objetivos. A famosa organização são pessoas com um grau de especialização muito grande e que trabalham em equipa. Tão simples quanto isso.
R — Mas então, para se ter uma boa organização, bastam as pessoas certas?
LFV— Parece fácil, mas não é. Além de encontrar as pessoas certas, é necessário tempo, e preciso dotá-las das ferramentas necessárias, muitas delas desenvolvidas dentro do Seixal.
R — José Mourinho disse, recentemente, que os investimentos de Sporting e FC Porto são irreais face à atual situação económica do país. Que comentário lhe merecem estas palavras?
LFV — José Mourinho parece ter mais conhecimento do nosso país do que muitos dos nossos jornalistas e comentadores. Aliás, sobre esta matéria já disse o que penso. Precisam de errar e corrigir como em qualquer empresa; portanto, uma organização não se constrói de forma instantânea. São necessários anos.
R— Será essa uma das razões pelas quais Jorge Jesus quis levar algumas pessoas do Benfica para Alvalade?
LFV— Não quero entrar por aí.
R — Ficou, ou não, magoado com a saída de Jesus e principalmente da forma que aconteceu?
LFV — Um presidente de um clube não pode ter estados de alma. Tal como disse Rui Vitória em relação ao Maxi, pensei que seis anos fariam a diferença. Fez a sua opção. Respeito. A vida continua, o Benfica é maior do que qualquer treinador, jogador ou presidente.
R— Jesus disse que não se sentiu desejado neste último ano. Merece-lhe algum comentário esta afirmação?
LFV — Há dois anos, quando perdemos tudo em 15 dias, Jesus sabia que não era desejado por quase ninguém e isso não o impediu de renovar contrato como Benfica, pois não? No final da época passada, afirmei publicamente que se Jesus quisesse renovar nas mesmas condições, era só assinar. Nunca me disse nada, nunca manifestou vontade de o fazer. A meio da época disse que no final da temporada falaríamos. Terminou a temporada, reuni o conselho de administração, todos se pronunciaram a favor da renovação. Acha que isto é não ser desejado? Mas também é verdade que nesse mesmo conselho de administração houve quem se pronunciasse sobre aspetos positivos relativamente a uma possível mudança de treinador, sobretudo em função de alguma informação que já havia sobre a vontade de Jesus mudar de ares. Mas isso já não interessa, a decisão dele — viemos a perceber pouco depois — já estava tomada há muito tempo, meses talvez.
R— Teve, ou não, conhecimento de convites feitos por Jorge Jesus a pessoas do Benfica?
LFV — Já falei demais do passado e de Jorge Jesus nesta entrevista. Para mim, como já lhe disse, é um capítulo fechado. O que me interessa é o futuro e Rui Vitória.
R— Acha que ele já tinha tudo acertado com o Sporting antes de o campeonato terminar?
LFV — Para mim, é um capítulo encerrado.
R — Pinto da Costa afirmou ao jornal espanhol “El Pais” que o Benfica teve mais 7 pontos por culpa das arbitragens. É legitima esta acusação?
LFV — É livre de dizer o que quiser e não quero alimentar qualquer polémica, porque isso só prejudica o futebol português, mas sinceramente não creio que ele seja a melhor pessoa para falar de arbitragens em Portugal. Pode haver outras pessoas no FC Porto que o possam fazer, mas seguramente que ele não é uma delas. Ganhámos o campeonato com mérito, fomos lideres desde a 5ª jornada. As vezes, devemos olhar para dentro de nossa casa antes de atirar pedras. Sei que, por vezes, é mais fácil sacudirmos as nossas responsabilidades, mas é uma afirmação que não faz qualquer sentido.
R — Quem é que parte como favorito para conquistar o campeonato?
LFV — O FC Porto, pelo investimento, sem dúvida, nós, pela ambição de ganhar o tri e por mantermos praticamente a mesma base de equipa, e o Sporting, porque aparentemente está em condições de abandonar o plano de rigor financeiro que foi a bandeira do seu presidente durante os últimos dois anos.
R — Portanto, apesar do bicampeonato, não se considera favorito?
LFV — Creio que partimos todos com as mesmas hipóteses.
R—Concorda que há um grau de investimento visível no FC Porto e no Sporting que não se vê no Benfica?
LFV — O que os outros fazem não vou comentar. Sei apenas o que nos custou trazer o Benfica até aqui para de repente comprometer tudo o que fizemos. Temos um bom plantel e será com este plantel que vamos lutar pelo tri. A última grande crise do Benfica e que quase nos condenou ao desaparecimento teve a ver precisamente com o facto de querermos ir atrás dos outros clubes numa espiral de gastos que a nossa tesouraria não aguentava. E não aguentou, por isso perdemos os melhores jogadores e passámos anos sem nada ganhar. Não contem comigo para ir por aí.
R— Portanto, acha que aquilo que o FC Porto e o Sporting estão a fazer é demasiado ousado para a situação económica que vivemos?
LFV — Já lhe disse que não vou comentar o que se passa em outros clubes. Sei apenas que há três semanas, a propósito de um determinado jogador, disse que o Benfica não estava interessado, nem poderia estar, porque nenhum clube português podia pensar em comprar jogadores de 15 milhões de euros, e a verdade é que pouco tempo depois houve quem comprasse um por 20 milhões. Vieram para o futebol português jogadores com vencimentos que até há algum tempo eu diria não ser possível, mas da casa deles são eles que devem tratar. No Benfica não vamos por esse caminho, porque entendo que seria muito arriscado para o futuro do clube.
R — Está a dizer-me que acha arriscado o caminho seguido pelo FC Porto?
LFV — Não vou avaliar a gestão do FC Porto, digo-lhe apenas que não é um caminho que o Benfica vá seguir. Até há um ano, via muitos jornalistas dizer que o futebol português estava a viver acima das suas possibilidades, que tínhamos de apertar o cinto, que tínhamos de apostar na formação. Um ano depois, o Benfica vai por esse caminho, e de repente começo a ouvir que não se ganha nada com a formação, que não compramos jogadores de referência, que afinal reduzir o passivo já não interessa. Afinal, em que ficamos? O Rui Vitória já foi claro, a formação existe, vai ter oportunidades, vão ter de agarrar essas oportunidades. Mantivemos até agora o grosso do plantel que foi bicampeão, reduzimos passivo, mas pelos vistos nós é que estamos mal. Já não percebo.
R— Num Benfica que tem de se impor na Champions, não receia esta falta de investimento?
LFV – Investir é uma coisa, e a equipa que temos obriga a um investimento da nossa parte. Outra coisa é gastar acima das nossas possibilidades. Não digo que não se possa fazer algum outro esforço se isso for considerado absolutamente necessário, mas sem nunca perder a lucidez e a noção da nossa realidade.
R — Mas nomes como Maxi e Casillas são reforços de peso…
LFV — Não vou dizer que não são. É, evidente que são! Mas os nomes só por si não ganham campeonatos. São reforços de peso a nível competitivo, mas também a nível salarial.
R — Como se sentiu ao ver Maxi Pereira a ir para o FC Porto?
LFV — Infelizmente, já não tenho a visão romântica de antigamente. Creio que fizemos tudo o que podíamos ter feito para o manter no plantel, a opção dele foi outra. E, como disse, o Benfica continua. Não há insubstituíveis.
R — A Maxi, não devia ter apresentado a renovação mais cedo? O Benfica fez tudo o que podia?
LFV — Tenho a consciência tranquila em relação a isso. Fizemos o que devíamos ter feito e no tempo em que o devíamos ter feito. Não vou falar mais deste tema.
R— O Benfica vai apoiar Luís Duque para um segundo mandato?
LFV — Vamos ser coerentes em relação à moção de confiança que votámos no último conselho de presidentes e que foi igualmente apoiada na assembleia geral. Luís Duque credibilizou a Liga nestes meses, pôs os clubes a trabalhar em conjunto, conseguiu trazer de regresso os patrocinadores. Os clubes reconheceram o mérito do seu trabalho; por que razão temos de mudar quando se estava a ir na direção certa?
R — Mas o presidente do FC Porto já disse que não vai apoiar Luís Duque…
LFV —Tem todo o direito de não o fazer, mas não com os argumentos que ouvi. Não se pode fazer da Liga uma arma de arremesso contra a FPF. Não pode vir falar-se de arbitragem, quando a arbitragem é um assunto da Federação. A Liga tem que ver com o negócio do futebol, ponto. 0 consenso com que se trabalhou nos últimos meses trouxe paz ao futebol português, e com essa pacificação regressaram os patrocinadores à Liga e à Taça da Liga. Infelizmente, qualquer que venha a ser o desfecho destas eleições, esse consenso acabou. Esperemos que os patrocinadores não voltem a abandonar o futebol, porque, se isso acontecer, alguém vai ter de assumir as responsabilidades por essa fuga.
R — Está a falar do FC Porto?
LFV — Todos aqueles que com um presidente e uma direção em funções e devidamente legitimada andaram a preparar durante meses uma candidatura. Levámos meses a recuperar a credibilidade da Liga e de repente queremos pôr em causa todo esse trabalho. Creio que não é apenas absurdo como também muito perigoso.
R — Acha que o facto de Luís Duque ter processos pendentes em tribunal não é um argumento válido?
LFV Certamente que não, principalmente quando vemos quem é que trouxe esse argumento a público. Quantos gestores de empresas em Portugal não têm processos em tribunal? Quantos presidentes de clubes não os têm? Isso retira-lhes competência ou motivação? Claro que não. Nós devemos ter divergências no campo, temos de querer ganhar lá dentro, mas, fora dele, quanto maior for o consenso à volta do negócio futebol, melhor será para todos. Esta fratura que alguns querem introduzir na Liga pode ter um custo elevado, e é bom que todos pensem bem no que querem fazer. Quanto se começam a contar espingardas, é um mau princípio.
R — Quando atrás falou de pessoas que andam há meses a preparar uma candidatura à Liga, estava a referir-se a Pedro Proença?
LFV — Sim, pelos vistos tem essa ambição, que é legítima, mas quando essa ambição choca com a possibilidade de prejudicar o futebol português, então acho que ele próprio devia parar.
R — Acha que Pedro Proença virá a ter o apoio do FC Porto e do Sporting nestas eleições para a presidência da Liga?
LFV – Da parte do Sporting esse apoio é natural. Pedro Proença é amigo do seu presidente, até creio que foi seu colega de escola ou faculdade e a verdade é que Bruno de Carvalho sempre se declarou contra Luís Duque. Portanto, da parte do Sporting há total coerência. A colagem do FC Porto ao Sporting é que me surpreende. Historicamente era ao contrário e depois do que o presidente do Sporting disse de Pinto da Costa, mais surpreendente é.
R – Acredita na vitória de Luís Duque?
LFV- Mais do que acreditar, espero que isso suceda, a bem do futebol português, mas, mesmo que isso aconteça, as fraturas vão ficar. Sinceramente, não sei qual foi a necessidade de se chegar aqui. O FC Porto tinha divergências, falávamos, resolvíamos, é para isso que serve a Liga, é para isso que servia o conselho de presidentes e a assembleia geral. Mas usar o argumento da arbitragem é que me parece completamente deslocado.
R- Mas o FC Porto foi muito crítico da arbitragem na última época…
LFV – De quê? Do empate na Madeira quando nós tínhamos perdido em Vila do Conde, ou do empate em Belém quando nós empatámos em Guimarães? O facto de o FC Porto não ter vindo à Luz para ganhar, quando era o único resultado que lhes interessava, também é culpa dos árbitros? Queixas de arbitragens todos nós temos, mas Vítor Pereira está no Conselho de Arbitragem há oito anos, só agora é que deixou de ser competente? Nos anos em que o FC Porto ganhou, era uma referência, agora já deixou de ser? Temos de ser sérios e, principalmente, perceber que a Liga deve servir para tratar do futebol enquanto “negócio” e que a arbitragem está na tutela da Federação.
R – O Benfica opôs-se ao sorteio dos árbitros. Porquê?
LFV – Por coerência. Não podemos atribuir a culpa pela falta de resultados aos árbitros. Erraram, vão continuar a errar porque é humano, mas a verdade é que erram hoje muito menos do que erravam há dez anos. A verdade é que todos reconhecem que o grau de preparação dos nossos árbitros é cada vez maior. Querem comparar o que é hoje a arbitragem portuguesa com o que era num passado não muito distante? Não é pelo sorteio que os erros vão acabar, pelo contrário, é uma porta aberta ao desconhecido. Numa área tão sensível como é a arbitragem, não é bom cair na tentação de fazer experiências e voltar 12 anos para trás. Temos de garantir é que os melhores árbitros vão estar à frente dos jogos de maior dificuldade, porque isso é uma garantia para todos. Nenhuma liga europeia sorteia os seus árbitros, deve ser por alguma razão.
R – Alguma vez, de forma direta ou indireta, prometeu que podia dar qualquer tipo de apoio a Pedro Proença?
LFV – Não, nunca o fiz, nem pessoalmente nem por telefone. Houve, efetivamente, uma vez que ele veio falar comigo e disse-me que tinha estado reunido com o conselho de administração do FC Porto. E posso divulgar isto, porque o apoio do FC Porto é público. Mas estranho tudo isto, porque isso foi há três meses e, nessa altura, estávamos todos em sintonia à volta de um homem chamado Luís Duque. Mas, respondendo de forma direta à pergunta que me coloca, nunca o meu nome será associado a um apoio a Pedro Proença.
R – José Gomes, presidente da APAF, enviou um email aos corpos sociais do organismo que o próprio lidera, como o nosso jornal divulga hoje [pág. 27], a sugerir que fosse dado o apoio a Pedro Proença. Qual é a sua opinião sobre esta questão?
LFV – Estranho muito. Se isso for verdade, o sr. Jose Gomes está a tentar arrastar os árbitros para um processo eleitoral no qual deviam manter-se neutros; se isso for verdade, significa que Pedro Proença estará a usar e abusar do sr. José Gomes, com quem até já terá visitado alguns clubes em busca de apoio. A confirmar-se tudo isso, será uma situação muito grave e deveria levar a um pedido de demissão por parte do presidente da APAE Espero que isto não signifique um retrocesso de muitos anos no futebol português.
R – Já falou com alguém do FC Porto para tentar perceber os motivos desta mudança no apoio de Luis Duque para Pedro Proença?
LFV – Não, e acho que há muita gente que não entende. Repare que o convite a Luis Duque foi feito, através de uma chamada telefónica, por mim e pelo presidente do FC Porto! Estávamos no Hotel Quinta das Lágrimas, em Coimbra. Não entendo. Se as pessoas forem todas bem formadas e coerentes em função do que se passou na assembleia geral da Liga, Luís Duque ganhará as eleições. Agora, como já ando aqui há alguns anos, e sei que há muitas pessoas que não assumem o que dizem, não tenho certezas do que vai suceder. Agora, uma coisa é certa: seja qual for o vencedor, há uma fratura no futebol. A pacificação que existia, a imagem que passou para os sponsors e todos quantas querem investir no futebol e que os levou a pensar em investir porque o futebol tinha mudado, essa imagem acabou. Afinal, é um engano pensar-se que o futebol mudou. O único problema grave que houve neste pais foi a conquista do segundo campeonato por parte do Benfica, que parece que poucos estavam à espera, principalmente quem se reforçou como se reforçou e quem investiu o que investiu.
R- Em que situação fica a BTV num cenário de centralização dos direitos televisivos?
LFV – Se houver vontade de todos, o Benfica não tem nada a opor à centralização dos direitos. Há um grupo de trabalho na Liga a analisar essa opção, seja qual for o futuro da Liga em termos de direitos televisivos, a BTV será sempre um projeto que continuará e terá o seu espaço com os nossos jogos ou sem eles, mas com outros conteúdos desportivos igualmente relevantes.
R – A BTV está a negociar os direitos televisivos da Prender League? E a Liga espanhola?
LFV – São operações que, como deve calcular, não devem ser tratadas na praça pública.
R – Leva quase 12 anos de mandato… Este já é um Benfica à imagem do que imaginou?
LFV – E um Benfica que já orgulha qualquer benfiquista, é um clube moderno, inovador, que recuperou a grandeza do passado, que voltou a ganhar. Não vou dizer que se trata de um projeto acabado, mas é seguramente o clube que eu ambicionava construir quando aqui entrei pela primeira vez.
R – Custou-lhe muito chegar aqui?
LFV – Muito mais do que as pessoas possam imaginar. Foi muito difícil, muito duro chegar aqui. Foi necessário alimentar a autoestima dos benfiquistas, fazê-los acreditar que poderíamos recuperar o clube, devolver o Benfica aos sócios, mas é evidente que houve anos muito complicados.
R- Consegue dizer qual foi a etapa mais difícil?
LFV – Seguramente os primeiros anos, porque não tínhamos nem dinheiro, nem credibilidade, porque a credibilidade do Benfica estava totalmente hipotecada, nacional e internacionalmente. Foram anos muito difíceis em que foi necessário conciliar o pagamento e a renegociação das dívidas que havia, e eram muitas, com a necessidade de construir o estádio, os pavilhões e o Caixa Futebol Campus. Se pudéssemos comparar em duas fotografias o que é o Benfica hoje e o que era há 14 anos, então, sim, aí veríamos a diferença.
R – já não há mais projetos por fazer? Agora é só pensar na vertente desportiva?
LFV – Há sempre novos projetos, novas necessidades, e se é evidente que hoje a vertente desportiva é aquela que concentra as nossas atenções quase a 100%, a verdade é que há sempre novos projetos e novas valências que temos de continuar a desenvolver, de forma a que os nossos atletas, quer no futebol, quer nas modalidades, possam beneficiar. Pensar que já se fez tudo é o primeiro passo para começarmos a ficar para trás.
R – Como por exemplo?
LFV – Temos novos desafios a nível de posicionamento da marca Benfica num mercado cada vez mais global e daí a necessidade de estarmos presentes em torneios como a Champions Cup, ou a necessidade de continuar a aumentar o número de adeptos no nosso estádio, e a aposta em projetos como a bancada família ou a Fan Zone. Ou ainda a necessidade de continuar a atualizar as capacidades do LAB, de forma a otimizar o rendimento individual e coletivo de todas as nossas equipas, desde a equipa A, passando pela formação, e terminando nas modalidades. Não posso igualmente esquecer, como projeto que temos de fazer, a “casa do jogador”, para apoiar todos aqueles que ajudaram a construir a nossa história e que por azares da vida se encontram hoje em dificuldades. Creio que devemos ter memória e ajudar quem nos ajudou a ser o que hoje somos. Por muito que se faça, haverá sempre novos projetos a desenvolver. E a natureza de qualquer clube dinâmico.
R – O Benfica vai a eleições em outubro do próximo ano. Vai recandidatar-se?
LFV – É demasiado cedo para falar disso.
R – Essa decisão de avançar para novo ato eleitoral está dependente de alguma coisa?
LFV – Apenas da avaliação que fizer quando essa decisão tiver de ser assumida.
R – Já dedicou o título a Fernando, seu pai. É um homem de família?
LFV – Sou! A família é tudo para mim. Ao longo destes anos todos, alguma coisa ficou para trás. Se olhar, vejo alguns bons momentos que podíamos ter vivido, mas eu estava a viver as dificuldades do Benfica. Há uma mágoa que tenho… O meu filho, em termos empresariais, cresceu sozinho, não estive ao lado dele. Foi mau. Devia ter estado mais perto dele e também da minha filha, mas, felizmente eles são sensacionais e compreenderam perfeitamente.
R – O Benfica roubou-lhe tempo à Sara, ao Tiago e à D. Vanda, a sua mulher?
LFV – Roubou (voz embargada). Sem dúvida que roubou!
Um Record de Ouro Especial para guardar em casa. Foi assim que, bem-disposto e risonho, Luís Filipe Vieira agradeceu a António Magalhães, diretor de Record, a distinção com este prémio, que o nosso jornal entrega a personalidades de relevo no desporto nacional.
Para o líder das águias foi desenhado um prémio diferente, único até ao momento, e que visa homenagear quem mais se destacou num restrito lote de personalidades. Mas este não é um trabalho de um homem só. “E um trabalho de toda uma equipa”, frisou o líder das águias, no amplo gabinete que ocupa no Estádio da Luz, com vista para o relvado. Ali, com a réplica de um A380 da Emirates, o maior patrocinador do clube, à porta, Luís Filipe Vieira não está sozinho. Numa ampla estante atrás da secretária onde dirige os destinos do emblema da Luz, o presidente da águia tem fotos de todos aqueles que mais ama. Da mulher, a D. Vandinha, como é carinhosamente chamada, dos filhos, Tiago e Sara, dos netos, e, claro, dos pais, Benvinda e Fernando Ferreira. “Este sim, é o meu monstro”, disparou Vieira, ao olhar de forma terna e atenta para a fotografia do pai falecido em 2007 – a mãe disse-lhe adeus no ano passado.
Além da família, Vieira tem, aqui e ali, elementos ligados a Eusébio da Silva Ferreira, também ele falecido em janeiro de 2014. E alguns presentes que lhe foram dando ao longo destes 14 anos de Benfica. É o presidente com mais anos de poder na Luz e não fecha a porta a novo ato eleitoral, apesar de ainda faltar mais de um ano para o clube ir a eleições.
Este prémio é, por isso, “o reconhecimento” do trabalho. “Do meu e de todos os profissionais do Sport Lisboa e Benfica, dos sócios, dos adeptos. É um sinal que, na maioria das vezes, houve sempre sintonia. É o culminar deste trabalho”, afirmou ao nosso jornal, recordando palavras que proferiu no passado fim de semana em Pretória. “Ainfa há dias na África do Sul disse que só recuando 14 anos se podia perceber tudo o que fizemos”, afirmou, referindo-se certamente às dificuldades que enfrentou desde que chegou ao clube.
Vieira entrou no emblema da Luz a 15 de maio de 2001, assumindo o cargo de gestor para o futebol no mandato de Manuel Vilarinho. Homem-forte para o futebol das águias, viu-lhe ser negada a possibilidade de ser presidente da SAD, face ao cargo que ocupara de líder do Alverca. Em outubro de 2003 concorre à presidência e os esmagadores 91% com que ganha à concorrência — de Jaime
Antunes e Guerra Madalena — serviram de bálsamo ao que viria a construir. Num primeiro mandato e depois noutro e ainda em mais dois. O atual termina em 2016, mas Vieira prefere não falar disso, para já.
Motivos de orgulho. Em 14 anos de clube, 12 dos quais na liderança, o presidente dos encarnados impulsionou a construção do novo estádio, ergueu o centro de estágio. arrancou com o projeto da televisão. É tetra-campeão — 2004/05, 2009/10, 2013/14 e 2014/15 — e já esteve em duas finais europeias. Perdeu a Liga Europa em ambas as ocasiões (2012/13 e 2013/14) mas orgulha-se de ter recolocado o Benfica na rota dos grandes emblemas no continente europeu. Orgulha-se também, e muito, da forma como gere o clube, da pontualidade de pagamentos aos funcionários, e
da habilidade negocial que têm levado Luís Filipe Vieira a comerciar com os maiores e mais poderosos emblemas da Europa.
A venda recorde do Benfica foi a de Witsel — 40 milhões ao Zenit — e ainda este verão pode encaixar mais 35 milhões com a saída de Gaitán. Nos últimos anos, aliás, tem sido práctica comum na Luz. A estes negócios gigantes juntam-se outros, os de André Gomes, Bernardo Silva, João Cancelo, Ivan Cavaleiro, todos eles a renderem, no mínimo, 15 milhões de euros aos cofres encarnados.
Agora, pede mais aposta na formação, quer ver os jovens do Campus do Seixal a aparecerem ao mais alto nível, para poderem crescer como atletas, mas também para, alguns deles, engrossarem a lista de vendas do Benfica. Num ano de viragem, Vieira abraça novo projeto ao lado de Rui Vitória e ambos assumem uma meta comum. “O grande objetivo do Benfica para o próximo ano é o tricampeonato. Mas em todos os jogos nos quais entramos, temos de respeitar sempre os adversários, procurando sempre a vitória. No final queremos fazer contas e chegar à conclusão que alcançámos o objetivo do tri”, salientou, já de prémio na mão.
Foi o homenageado quem convidou os jornalistas de Record para um almoço, que decorreu em clima de boa disposição e em tom informal. Vieira é um comunicador por excelência e entusiasma-se com frequência a falar de assuntos nos quais está à vontade. Ainda antes do almoço, e com o Record de Ouro Especial na mão, olhou para António Magalhães e agradeceu: “É uma honra e é um prémio muito bonito” E foi colocado na estante do gabinete da SAD, bem atrás de si. Ou melhor, ao lado de uma caricatura em gesso de… Luis Filipe Vieira.