Leonor Pinhão : "A questão da lavandaria do Sporting"
Vai ser um “defeso” como há muito não se via.
Teremos, já temos, uma pausa de Verão intensamente marcada pelo renascer furioso da rivalidade entre os dois clubes grandes da cidade de Lisboa.
Tudo porque Jorge Jesus optou por dar um rumo novo à sua carreira.
Não terá sido grande o passo. Na verdade, bastou-lhe atravessar uma rua para mudar de patrão e para deixar perplexos os adeptos do Benfica.
E, como não podia deixar de acontecer, para deixar eufóricos os adeptos do clube rival. Assim como uma plêiade, não menos eufórica, de comentadores imparciais da cabeça aos pés para quem o novo treinador do Sporting ganhou, de um dia para o outro, qualidades humanas e morais jamais adivinháveis nos seis anos em que foi treinador do Benfica.
Tudo tem a sua medida. A quase nenhuma visibilidade do campeonato português não fez correr esta notícia em rodapé nos noticiários da CNN e de outras estações de televisão estrangeiras mas em Portugal não se fala noutra coisa, obviamente.
A rivalidade entre Benfica e Sporting é centenária e alimenta-se destes pormenores. À míngua de títulos, o Sporting tinha de fazer qualquer coisa e fez. Levou-nos o treinador e quer levar-nos jogadores. O ataque ao património material poderá ser melhor ou pior sucedido em termos práticos, já quanto ao património imaterial não vão ter sorte nenhuma.
Não há “Carrega, Benfica!” que se transmute em “Carrega, Outra Coisa Qualquer!”, por mais invejável que seja – e é mesmo – o grito popular e genuíno da nossa gente.
Diariamente, os jornais vão-nos agora dando conta do assolapado romance entre o novo treinador do Sporting e o seu presidente, fascinado por ter perto alguém que percebe quase tanto de futebol como ele.
Agências de comunicação contratadas vão passando, diligentemente, para a opinião pública através da imprensa o quanto Jesus tem impressionado Bruno de Carvalho com o seu conhecimento dos mais ínfimos pormenores no que respeita ao funcionamento e ao recheio da Academia de Alcochete.
O presidente está encantado porque o novo treinador sabe tudo. Até sabe de cor e salteado o número de calçado de toda a equipa B do Sporting.
Um dia destes, é mais do que certo, ainda ouviremos Bruno de Carvalho repetir as palavras míticas com que a não menos estarrecida tia do Vasco Santana celebrou o êxito do sobrinho no exame final do curso de medicina no filme “A Canção de Lisboa”:
– Ele até sabe o que é o esternocleidomastóideo!
E sabe mesmo.
Voltemos à materialidade desta imortal rivalidade histórica entre os dois grandes clubes de Lisboa.
As últimas notícias são amplamente favoráveis ao Benfica. De acordo com os dados divulgados pela empresa GFK/CAEM, que mede as audiências televisivas, a final da Taça da Liga disputada entre o Benfica e o Marítimo bateu de largo a final da Taça de Portugal disputada entre o Sporting e o Sporting de Braga.
O resultado foi de 1.890.500 contra 1.634.00 espetadores. Ganhou a Taça da Liga.
O que não deixa de ser um dado material curioso porque a Taça de Portugal, para todos os efeitos, é uma competição muitíssimo mais importante e sonante do que a Taça da Liga.
Com o novo treinador do Sporting ao comando, o Benfica venceu 5 edições da Taça da Liga. Pode-se dizer, com toda a propriedade, que a Taça da Liga é realmente a competição-fétiche de Jorge Jesus.
E, por isso mesmo, não é atrevimento prognosticar que as próximas 5 Taças da Liga vão acabar impantes na sala de troféus de Alvalade.
Paciência.
– Adeus Taça da Liga! – aproveito e despeço-me já de ti.
Com todos estes acontecimentos fraturantes a preencher a agenda dos noticiários e das vidas familiares, há temas menores da nossa vida em sociedade que foram ficando para trás e que arriscam o completo olvido se ninguém os puxar à tona.
Eis um deles:
– O inquérito do Ministério da Administração Interna ao comportamento do sub-comandante da PSP de Guimarães que agrediu um cidadão à vista dos filhos e do avô dos filhos já produziu algum tipo de conclusão ou será que considera o Estado português o fato das crianças terem sido convidadas para a festa do título no Estádio da Luz como ressarcimento suficiente para as vítimas e como reposição do bom aspecto geral?
O presidente do Benfica afirmou-se publicamente “desiludido” mas “não surpreendido” com a saída de Jorge Jesus para Alvalade. E sobre o assunto mais nada disse. Assenta-lhe bem o laconismo nesta altura do campeonato precisamente porque não há campeonato nesta altura.
Quando houver campeonato será outra loiça. Num passado recente, correu mal a história ao Benfica sempre que deixou ir embora os seus últimos treinadores campeões. A sucessão de Toni em 1994 e a sucessão de Giovanni Trapattoni em 2005 redundaram em retumbantes fracassos e nenhum destes treinadores saiu da Luz para se ir enfiar na casa de um rival, o que aumenta os fatores de risco.
Nestas coisas do futebol, quem tem razão, quem é esperto, quem é visionário é quem vence.
O presidente do Benfica continuará pela vida fora a ser muito elogiado por ter prolongado o contrato com Jesus no fim da temporada funesta de 2012/2013 – em que o Benfica perdeu tudo em duas semanas – pela razão simples de o Benfica ter, depois disso, ganho dois campeonatos consecutivos com o mesmo treinador que uma parte significativa dos adeptos queria ver pela porta fora.
A “genialidade” dos presidentes constrói-se de vitórias.
Vieira, que não segurou Jesus como se impunha para muita gente que só quer o bem do clube, corre o risco de voltar a ser genial se o Benfica, comandado seja por quem for, vencer o próximo campeonato.
E se, no próximo dia 9 de Agosto, o Benfica derrotar o Sporting na decisão da Supertaça também Vieira será genial pelo menos até à primeira jornada do campeonato. Depois logo se verá…
Mas uma eventual derrota na Supertaça colocará o presidente do Benfica em maus lençóis perante os adeptos no arranque da temporada. Já uma eventual derrota no campeonato fará com que lhe chamem de tudo menos de genial lá para Maio de 2016.
O presidente do Benfica estará, certamente, preparado para se confrontar com qualquer uma destas possíveis situações – ou é genial ou antes pelo contrário –, sendo que a segunda é bem mais desagradável do que a primeira a que já estava acostumado.
E nós também.
No passado fim-de-semana, o segundo jogo dos play-offs do campeonato de futsal foi disputado sob um calor insuportável no pavilhão da Luz.
Chamou-me a atenção um amigo para o facto, indesmentível, de o treinador do Sporting, suando em bica como todos os presentes, nunca ter despido o casaco do traje oficial para se aliviar do sufoco em mangas de camisa.
– Está com medo de ser despedido – foi a conclusão a que chegou.
Tudo isto porque a acusação do gabinete jurídico do Sporting a Marco Silva refere que o treinador ao não usar o fato completo e oficial do clube no jogo com o Vizela para a Taça de Portugal desrespeitou gravemente o regulamento interno o que configura motivo de justa causa para a rescisão unilateral do seu contrato.
Este será, porventura, o argumento mais exótico que ressalta das 400 páginas da acusação a Marco Silva.
Veio-se depois a saber que o Sporting só forneceu a Marco Silva um fato completo para a época inteira – estava-se ainda no tempo das bifanas – e que o treinador só se apresentou em Vizela com roupa de treino porque a lavandaria de Alvalade demorou a devolver-lhe o seu único fato oficial limpinho, limpinho, limpinho como mandam as regras.
Bem me queria parecer que, neste Sporting, as grandes questões são de lavandaria.
DESTAQUE:
Nestas coisas do futebol, quem tem razão, quem é esperto, genial, quem é visionário é quem ganha campeonatos.