Leonor Pinhão: "Nós só queremos o Benfica campeão e os bandidos na prisão"
Parabéns, Benfica!
O meu gato só tem dois anos e já é bicampeão nacional.
Tudo é relativo, portanto.
No domingo passado, consumada a revalidação do título, toda a ênfase foi posta no facto, indesmentível, de o Benfica ter demorado 31 anos para repetir esta singela proeza de se sagrar campeão em duas temporadas consecutivas.
Ficou, no entanto, por assinalar uma outra efeméride não menos significante em termos sociais.
Há 31 anos que o Benfica não sabia o que era ser bicampeão mas há 34 anos que uma festa de um campeonato ganho pelo Benfica não era interrompida pela polícia de forma tão absurda e “desproporcionada”, para utilizar o eufemismo hoje corrente.
O Benfica ganhou o campeonato de 1980/1981 e festejou-o na Luz depois de uma vitória robusta sobre o Vitória de Setúbal a que se sucedeu a tradicional e pacífica invasão de campo pelos adeptos. A festa, no entanto, foi surpreendentemente interrompida por uma inenarrável carga da polícia de choque que levou tudo à frente.
A brutalidade das imagens e o número de feridos levou o incidente de 1981 até à Assembleia da República e aos protestos de César Oliveira, deputado socialista:
– O desejo de bater e de aleijar igualou ou excedeu a mais violenta repressão policial de Salazar e Caetano não poupando mulheres e crianças.
O presidente do Benfica em 1981 era Ferreira Queimado que, injustamente, haveria de ser responsabilizado e penalizado pelos sócios do Benfica perdendo as eleições, que se realizaram poucos dias depois, para Fernando Martins.
O presidente do Benfica em 2015 é Luís Filipe Vieira que teve imediatamente o bom senso de defender o nome do clube e de condenar, na mesma penada, os “vândalos profissionais” que em Guimarães e em Lisboa frustraram os desejos de uma noite tranquila.
A verdade é que até ao momento o único vândalo profissional identificado parece ser um polícia de Guimarães. Pelo seu punho, no auto de ocorrências, contou que se viu obrigado a espancar um cidadão à frente dos filhos porque o referido sujeito, tendo noção de que estava a ser filmado, quis “tirar proveito da situação”.
Como a gravação das imagens por um operador de câmara da CMTV não foram autorizadas por um juiz é provável que tudo isto fique impune.
Faltam identificar mais uns quantos, muitos, delinquentes amadores ou profissionais que destruíram e saquearam instalações no estádio do Vitória. E mais outros tantos vândalos profissionais ou amadores, à civil ou fardados, que em Lisboa esperaram pacientemente pela chegada da equipa ao palanque para começar a distribuir pancada indiscriminadamente.
O presidente do Benfica assumiu na hora perante os adeptos do clube e o país em geral que o Benfica tudo fará para colaborar com as autoridades na identificação dos delinquentes de Guimarães e de Lisboa.
Não demore, senhor presidente. A ver se ainda somos mais lestos do que o Ministério da Administração Interna que deu um confortável prazo de um mês para a conclusão dos inquéritos.
Rapidez, ação, decência. É isto, no fundo, que se exige e se agradece a um presidente do Benfica.
Porque nós só queremos o Benfica campeão e os bandidos na prisão.
Que bem assenta ao Benfica o título de campeão nacional de 2014/2015. Este ano foi tudo muito diferente do ano anterior porque o Benfica vendeu metade da equipa no Verão, perdeu jogadores importantes meses a fio por causa de lesões e ninguém acreditava muito na equipa.
Foi bonita a festa dos jogadores junto da bancada repleta de benfiquistas em Guimarães e voltou a ser como sempre, empolgante, a magnífica e pacata romaria que leva até ao Marquês gente de todas as idades e de todas condições só pelo prazer de estar em família num dia bom. É, basicamente, o nosso Natal móvel benfiquista. Todos juntos numa praça da cidade. Oxalá possamos voltar a celebrá-lo no próximo ano.
Mas de todas as festas de domingo a melhor, a mais nossa, só nossa, foi a vivida na cidade do Porto e por todos os caminhos que levaram milhares e milhares de adeptos até ao Aeroporto onde a equipa embarcou rumo a Lisboa.
Talvez por não ter havido “organização” e se ter deixado a criatividade do momento entregue às massas tudo correu maravilhosamente, sem um incidente, com os adeptos sempre perto dos jogadores e os jogadores sempre perto dos adeptos ao logo e no fim de um percurso exaltante.
Em Lisboa, pelo contrário, houve “organização” a mais com tanta montagem, tanto corredor de segurança, tanto andaime circular, tanta passadeira vermelha, tanto protocolo, tanta distância entre jogadores e adeptos em nome da segurança que, nem de longe, se comparou o acontecimento deste último domingo à fabulosa comunhão com a equipa e à genuinidade popular dos festejos de 2010 e de 2014 no mesmo local e sem tendas VIP.
Não façamos confusões. O ajoelhar de Lopetegui no domingo passado não é comparável ao operático colapso de Jesus há dois anos.
Isto da dignidade trágica não é para qualquer um.
Ficou-se pelo patético o ajoelhar de Lopetegui no Restelo. E o que mais ressalta da imagem, que logo correu o mundo, não é de todo a dor de um homem injustiçado pelo destino. O que mais ressalta é o facto indiscutível de que Lopetegui tem um belíssimo par de sapatos de camurça de cor castanha que não devem ter sido nada baratos.
No entanto, e a propósito de Lopetegui de joelhos, já ouvi muitos benfiquistas entregarem-se deleitados – pudera! – à conclusão errada de que a famosa organização do Porto já não é nada daquilo que em tempos chegou a ser.
E dizem, excessivamente optimistas:
– Então o homem sabia falar latim, sabia todos os cargos ministeriais do Rui Gomes da Silva, sabia quem era o Capela e o Barbas, sabia a data da fundação do Orfeão do Benfica e não sabia que nunca jamais em tempo algum se podia ajoelhar!?
Outros interrogam-se pasmados:
– Mas ninguém levou o homem a visitar o acervo audiovisual do Museu do Dragão?
E dizem estas coisas como se uma falha dessas fosse finalmente possível naquela velha e sólida organização de meter inveja. Julgo, francamente, que se estão a precipitar embora a natural euforia da revalidação do título possa servir como atenuante para estes erros de avaliação.
É claro que Julen Lopetegui teve consciência do que estava a fazer quando levou um joelho ao chão no Restelo.
Lopetegui sabe que o presidente do Benfica não hesitou em renovar contrato com Jesus depois de o nosso treinador se ter ajoelhado. Entendeu Lopetegui, naquele minuto fatal do Restelo, que se fizesse o mesmo, se ajoelhasse, o presidente do Porto não hesitaria, contra tudo e contra todos, em mantê-lo ao serviço seguindo o exemplo vitorioso do presidente do Benfica.
Lopetegui não se ajoelhou no domingo nem por ignorância, nem para exibir o bonito calçado, nem para dar motivos gáudio aos benfiquistas. Ajoelhou-se muito simplesmente porque quer continuar a ser o treinador do Porto e também porque agora desconfia de que nunca foi o favorito do seu presidente.
Calma! O Tiago Caeiro não é o nosso Kelvin.
E, no entanto, o Benfica deve-lhe muito mais do que a efémera alegria de um golo que selou o título.
O Benfica deve a Tiago Caeiro ter-nos poupado o constrangimento de uma semana com o Marquês de Pombal com andaimes à vista de todos e à espera da festa que não era certa porque dependeria sempre de uma vitória no jogo com o Marítimo.
Tiago Caeiro, qual manto protetor, poupou-nos, no mínimo, a uma semana de angústias e de anedotas. E isso não tem preço.
*
O jogo do título, em Guimarães, não tendo golos não teve heróis.
Excepção feita, naturalmente, ao jogador do Belenenses que marcou um golo a 350 quilómetros de distância, não houve nenhum outro nome de jogador que justificasse as aclamações benfiquistas pela importância da sua contribuição na penúltima e decisiva jornada.
À falta de heróis do dia souberam-nos ainda melhor, à noite, os vídeos caseiros de parabéns que alguns jogadores, que já não são nossos, enviaram para a nossa festa com as suas declarações de amor ao clube e aos adeptos.
Aimar, Matic, David Luiz, Saviola, André Gomes, Rodrigo, Javi Garcia, Fábio Coentreão, Witsel, Siqueira, Oblak, Dí Maria… foram tantos que responderam ao desafio. E sem que nada nem ninguém os obrigasse a tal gesto de imensa simpatia.
Ainda não há muitos anos era sina nossa ouvir antigos jogadores a falar mal do Benfica assim que se viam da Luz para fora. Agora não. Uma pessoa fica sempre contente quando vê as coisas a mudar para melhor. Para muito melhor.
Boa notícia para o Benfica é a assinatura do contrato com a Fly Emirates. É de altíssimo gabarito a marca do nosso patrocinador até 2018.
Boa notícia também para o Sporting de Braga é a certeza de que na final do Jamor não levará com Carlos Xistra a apitar visto que Xistra foi o árbitro do Sporting-Sporting de Braga do último fim-de-semana e com grande prejuízo para a verdade desportiva.
PS – Sobre o notório diferendo entre os Superdragões e o “Dragão Diário” gostaria de dizer que a minha simpatia vai toda para os Superdragões porque, tal como William Faulkner rematou o seu romance “Palmeiras Bravas”, também eu “entre a dor e o nada, escolho a dor”.